Em Santa Maria da Feira, C. não foi à urna, a urna foi até ele

Nem a deficiência física, nem o facto de ser recém-chegado à terra demove um eleitor em Santa Maria da Feira, onde havia esta manhã filas para votar.

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Paulo Pimenta

Chega com a mulher, numa moto quatro azul, de boné na cabeça, que o sol acordou pujante em Santa Maria da Feira. É a primeira vez que C. aqui vota. "Vim de Lisboa para cá". Não se importa de contar um pouco da sua história, só não quer que lhe escrevamos o nome. "Viemos há pouco tempo para cá e não queremos arranjar problemas", conta ela. Na casa dos 70 anos, C. tem um problema de mobilidade que não especifica mas que o obriga a deslocar-se de cadeira de rodas. "Só que não queria vir para aqui com a cadeira. Telefonei para a junta a saber como deveria fazer e disseram-me que não iria haver problemas".

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Chega com a mulher, numa moto quatro azul, de boné na cabeça, que o sol acordou pujante em Santa Maria da Feira. É a primeira vez que C. aqui vota. "Vim de Lisboa para cá". Não se importa de contar um pouco da sua história, só não quer que lhe escrevamos o nome. "Viemos há pouco tempo para cá e não queremos arranjar problemas", conta ela. Na casa dos 70 anos, C. tem um problema de mobilidade que não especifica mas que o obriga a deslocar-se de cadeira de rodas. "Só que não queria vir para aqui com a cadeira. Telefonei para a junta a saber como deveria fazer e disseram-me que não iria haver problemas".

E ei-lo, então, no parque de estacionamento do Instituto Superior de Entre Douro e Vouga (Isvouga), onde está instalada a sua secção de voto. Passam poucos minutos das 11h e, a esta hora, movimento só mesmo nas secções 1 a 3, montadas na Junta de Freguesia de Santa Maria da Feira, vizinha do Isvouga. Portanto, se C. não pode ir à urna, a urna vai até ele. Chega o presidente da mesa, acompanhado de duas delegadas, que vão garantir que não há fraude. C. acomoda-se o melhor que pode na moto quatro, a mulher estende um casaco cor-de-rosa para ajudar a garantir que o voto do marido é secreto e a coisa faz-se em minutos, talvez segundos.

Mesmo que tenha votado em que não conhece – "estamos cá há pouco tempo, não conhecemos quase ninguém das listas" –, não passou pela cabeça deste casal não vir votar. "Em algumas eleições anteriores, precisamente por causa do meu problema de mobilidade, não votei. Este ano, telefonei para a junta para perceber como seria e decidi vir, por entender que não ia ser muito complicado".

Mónica, funcionária da junta, confirma ao PÚBLICO que C. se "preocupou em saber como deveria fazer" e que foram cumpridos os requisitos legais. E estende-nos uma folha A4 que enumera as condições do "voto dos deficientes". "Nos casos especiais, em que o eleitor deficiente pode executar os actos necessários à votação, mas não pode aceder à câmara de voto – por se deslocar em cadeira de rodas, por se apresentar de maca, etc. – deve a mesa permitir que vote, sozinho, fora da câmara de voto mas em local – dentro da secção de voto e à vista da mesa e delegados – em que seja rigorosamente preservado o segredo de voto".

C. e a mulher já estão despachados, mas o mesmo não pode dizer Glória Lopes, de 76 anos. Está há mais de 20 minutos na fila para votar na secção 1 e diz que só vai esperar até que a filha "se despache". "Se ela puser [sic] mais depressa do que eu, vou-me embora e venho cá depois". Confirma-se: ali vem ela. "Aqui é que se vê que este país tem mais velhos do que jovens", brinca a filha de Glória, olhando para a fila que anda devagar.

Muito bem arranjada – sapatos de cunha, casaco vermelho rendado, saia bege, o cabelo prateado sem um fio em desalinho –, Glória pede desculpa e despede-se. "Agora vou dar uma voltinha e depois vou acabar o almoço, que daqui a bocado tenho lá 17 a comer". Se calhar já não volta para votar, provocamos. "Isso é que era bom! Venho votar sim senhora, que eles não podem fazer tudo o que querem, a gente tem que vir cá dizer o que pensa".