Do Algarve para Dusseldorf, a moreia frita fez sucesso

Doze chefs portugueses e dois produtores estiveram na Alemanha para mostrar o que há de diferente e especial na cozinha portuguesa – do enorme bivalve chamado taralhão ao surpreendente “caril do mar”, passando pelas ovas de polvo secas.

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Paulo Barata

Na manhã de quinta-feira, dia 21 de Setembro, dois chefs portugueses chegaram ao aeroporto de Lisboa transportando coisas estranhas nas bagagens. Um tinha avião às 6h30, o outro duas horas depois e ambos despacharam as suas malas para o mesmo destino: a cidade alemã de Dusseldorf.

O primeiro, António Galapito (Prado, um novo restaurante de Lisboa com abertura prevista para Novembro), levava lombos de bonito (da família do atum) e, embalado em vácuo, um leitão. O segundo, João Oliveira (Vista, Portimão), tinha vindo do Algarve e trazia, enrolada, uma moreia aberta e preparada para secar, como fazem os pescadores algarvios.

Algumas horas depois, a moreia, com a sua magnífica pele de elegantes manchas castanhas e amarelas, como se tivesse sido criada para impressionar todos os outros peixes do mar, estava pendurada no stand de Portugal no evento Metro Unboxed, impressionando vários visitantes que não conheciam aquele bicho exótico.

Metro Unboxed (de 13 de Setembro até amanhã) foi a forma da empresa multinacional Metro (que em alguns países, entre os quais Portugal, se chama Makro), fornecedora de produtos para restauração e hotelaria, anunciar uma nova fase da sua vida. “O grupo Metro é de Dusseldorf e tem mais de 60 anos. Em Portugal, onde, pela força da marca, mantém o nome Makro, tem 27”, explica Sílvia Lopes, responsável pelo marketing e comunicação. “Somos o sétimo maior operador mundial em distribuição”.

Foi precisamente essa escala que levou o grupo a separar agora o sector de consumo electrónico (Media Markt) e o de alimentação (Metro ou Makro) e, sendo uma empresa cotada em bolsa, esta é uma operação que tem que ser gerida com cuidado em termos de imagem – daí o evento em Dusseldorf para mostrar o papel do grupo em 26 dos 35 países onde está.

Cada um dos países presentes foi convidado a levar a Dusseldorf “o melhor que tinha para mostrar” e a Makro Portugal desafiou Ana Músico e Paulo Barata, os organizadores do festival Sangue na Guelra, a mostrar o trabalho que, com o apoio da Makro, têm vindo a desenvolver em Portugal com a nova geração de chefs.

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António Galapito a fumar lombos de bonito Paulo Barata

“Cada país tem cada vez mais autonomia para tomar decisões e nós quisemos trazer o espírito Sangue na Guelra aqui”, afirma Sílvia Lopes. “Queremos mostrar que Portugal tem sangue nas veias. Não queríamos trazer o tradicional bacalhau. O nosso objectivo era dar uma pedrada no charco. Durante muitos anos, pela sua dimensão, Portugal nem sempre era olhado com este carinho. Mas nos últimos dois, três anos temos conseguido esse protagonismo. Julgo que não era esperado que surpreendêssemos tanto.”

Antes de a Fugas chegar, no mesmo dia que João Oliveira e António Galapito, já tinham passado pelo stand de Portugal Tiago Bonito (Largo do Paço, Amarante, uma estrela Michelin), Daniel Rente (Avenida Sushi Café, Lisboa), Luís Gaspar (o Chef Cozinheiro do Ano 2017, vindo do Sala de Corte), Maurício Vale (Soi, Lisboa), Rodrigo Castelo (Taberna Ò Balcão).

E, nos dias seguintes chegaram ainda Vítor Adão (Bistro 100 Maneiras, Lisboa), Pedro Pena Bastos (Esporão, Reguengos de Monsaraz), Vasco Coelho Santos (Euskalduna Studio, Porto), Hugo Brito (Boi Cavalo, Lisboa) e Carlos Fernandes (Loco, Lisboa, uma estrela Michelin). Aos chefs juntaram-se também, em dois momentos, os produtores Jorge Raiado (Sal Marim) e Avelino Ormonde (Biofontinhas).

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Moreia frita Paulo Barata

Os restantes países participantes tinham apostado em contar a história do apoio da Makro no desenvolvimento de um produto local – a Bulgária veio mostrar o tomate rosa, por exemplo, o Cazaquistão a sua aposta em bife de qualidade dos pastos do país, a Croácia o projecto que permitiu salvar uma raça de gado em risco de extinção, o Japão veio falar das suas algas, o Paquistão dos projectos ligados à certificação na área da segurança alimentar, etc. Mas nenhum outro trouxe o desfile de chefs que Portugal apresentou.

Na parede do stand português, podia ler-se uma explicação que falava do “trabalho e espírito de equipa, solidariedade" como "os traços que reflectem os esforços e acções de tantos jovens chefs, restauradores e produtores no nosso país”, do apoio da Makro a esta “comunidade culinária” e do trabalho feito para motivar “os melhores e mais criativos chefs a trabalhar em conjunto nas tendências e temas mais actuais.” “Podíamos ter trazido azeite e vinho”, diz Ana Músico, “mas quisemos ser criativos”.

Voltemos então ao momento em que João Oliveira pendurou a moreia no stand. Depois de algumas peripécias por causa do cheiro na cozinha (todo o espaço de exposição Metro Unboxed foi criado propositadamente para este evento), o chef do Vistas teve que fritar a moreia no exterior e António Galapito viu-se obrigado a fumar os seus lombos de bonito também nas traseiras do pavilhão, apoiados por Paulo Barata que, a pedido dos seguranças alemães, segurava um extintor de incêndio.

Resolvidas as questões técnicas, foi possível dar a provar aos visitantes um snack inspirado nas sanduíches de moreia frita que se comem no Algarve: um pedacinho de moreia, um creme feito com pão assado e um pouco de cebolada feita com cebola doce para equilibrar com a gordura do peixe. Ao lado, Galapito servia os lombos de bonito fumado com um molho à base de coentros e sementes de alho selvagem.

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"Caril do mar" Paulo Barata

Havia ainda outras surpresas. João Oliveira tinha trazido “caril do mar” seco, ervas que nascem junto à costa e que têm um surpreendente cheiro a caril – fazem, aliás, parte de um projecto de identificação de plantas halófitas que o chef está a desenvolver com a Universidade do Algarve. Outra coisa que chamava a atenção eram as grandes ovas de polvo secas, que João ralava para a mão de quem queria experimentar, explicando que era muito bom para usar em massas ou em arroz.

“Uau”, comenta, depois de lamber a palma da mão, Olaf Koch, o CEO do grupo Metro que fez questão de todos os dias passar pelo stand de Portugal para conhecer as novidades. “Parece-me que vocês têm um momentum, que existe um movimento de chefs”, diz à Fugas. “O que gosto nisto é o localismo, o caminho da tradição para redescobrir coisas originais da cozinha portuguesa e combiná-las com a cozinha do mundo criando sabores que eu nunca tinha provado antes. Gosto de passar aqui para descobrir quem é o próximo chef a fazer a sua apresentação.”

Sabe que a cozinha portuguesa ainda é pouco conhecida internacionalmente. “Aqui em Dusseldorf, há muito poucos restaurantes portugueses em comparação com os italianos, os gregos.” Mas, sublinha, para a estratégia da Makro, que é a de promover a diversidade e as características próprias de cada país, faz todo o sentido apoiar este tipo de iniciativa.

“Claro que isto tem a ver com um grupo que são os nossos clientes, os chefs. O que eles mostram aqui é a vontade de trabalhar em equipa, e nós queremos parcerias com chefs, restauradores, produtores que nos vejam como alguém que os pode ajudar a encontrar novos clientes, novas soluções, novos negócios. Queremos contribuir para o sucesso de pequenas e médias empresas, é para isso que estamos lá. Se não pudermos fazer isso, não devemos lá estar. E hoje podemos fazer isso muito melhor em Portugal do que anteriormente.”

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Ovas de polvo Paulo Barata

No dia 22 à tarde, João Oliveira e António Galapito apresentaram-se no palco do Metro Unboxed. O primeiro cozinhou salmonete negro, usou salicórnia e outras plantas halófitas, mostrou o enorme bivalve chamado taralhão, voltou a fazer moreia frita. O segundo pôs em cima da mesa o leitão que tinha trazido e mostrou como se cozinha uma perna, usando ao mesmo tempo o molho tradicional que os pais (que vendem leitão de Negrais) usam e juntando-lhe um toque pessoal com cogumelos shitake fermentados, o que resultou num molho mais acetinado e de sabor muito mais complexo.

Entre os espectadores estava uma alemã casada com um português e que há 35 anos passa férias em Portugal, geralmente na Figueira da Foz, terra do marido. Entusiasmada com as apresentações, ia comentando, meio em português meio em inglês. “Eu estou muito habituada à comida portuguesa, mas em geral os alemães não gostam muito de peixe que saiba demasiado a peixe. E para nós, a comida portuguesa tem também um pouco de sal a mais.”

Mas provou o salmonete e gostou muito. Depois pediu licença para interromper a conversa e aproximar-se outra vez da bancada para trazer um snack de moreia. “Que bom! Tem uma textura fantástica. Nunca tinha ouvido falar deste peixe. Este ano vamos voltar ao Algarve, já temos saudades, Pode dizer-me onde é que vou conseguir comer moreia?”.

A Fugas viajou a convite da Makro

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