Corte nas rendas da EDP já se vai reflectir nas tarifas de 2018

A ERSE entregou ao Governo o estudo do acerto de contas final com a EDP, que prevê um corte de 67% nas rendas da empresa. Contas feitas pela empresa dão 100 milhões de euros a mais.

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A EDP, liderada por António Mexia, contestou as conclusões da ERSE Nuno Ferreira Santos

Terá o Governo margem para fazer “baixar a conta da luz” como pediu a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins? A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) entregou ontem ao Governo um instrumento para justificar uma redução das despesas anuais dos consumidores com as rendas da energia em 165 milhões de euros. Com o valor proposto pela ERSE, o consumidor passará a pagar à EDP 83 milhões de euros/ano nos próximos dez anos, em vez dos 250 milhões que em média tem pago todos os anos, desde 2007.

No entanto, não é líquido que este corte de 67% na remuneração anual da EDP se traduza numa descida dos preços da luz, tendo em conta que um dos factores que mais têm pesado nos preços tem sido o pagamento do défice tarifário (que ronda os cinco mil milhões de euros). Por outro lado, também não é certo que este seja o valor a pagar à EDP no acerto de contas final dos custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC). É que no estudo que enviou ao Governo a ERSE diz que fez as contas com base no que “estabelece o quadro legal actual”, mas abre espaço a outros “cenários e variações que dependem de alteração do quadro legal aplicável aos CMEC ou, pelo menos, da sua clarificação” — ou seja, ainda há uma apreciação política que poderá “reduzir o valor apurado”. 

Os CMEC implicam o pagamento de uma parcela fixa de cerca de 67,5 milhões de euros todos os anos. O que faltava calcular era o valor da parcela variável que antes era calculado anualmente e que, nos termos da lei, já se sabia que a partir de 2017 seria calculada para os dez anos seguintes. Foi o que a ERSE fez ontem, propondo  um pagamento de 154 milhões (cerca de 15,4 milhões de  euros em média por ano, que vão somar-se aos 67,5 milhões de parcela fixa, num total aproximado de 830 milhões de euros até 2027).

Os cálculos do regulador não batem certo, no entanto, com os valores que foram definidos pela EDP e pela REN no seu próprio cálculo da revisibilidade final e em que aponta para um valor de 256 milhões, 100 milhões acima do valor agora calculado pela ERSE. 

A EDP, presidida por António Mexia, reagiu às contas feitas pela entidade presidida por Cristina Portugal dizendo que o “grupo de trabalho técnico EDP/REN, previsto na legislação, apurou um valor de ajustamento final de 256 milhões de euros” que resultou da “aplicação estrita” do regime legal dos CMEC.

A EDP “não vislumbra as razões para a discrepância dos valores apresentados” e garante que vai olhar para o relatório da ERSE e depois tomar “as decisões e medidas que vier a considerar adequadas”. Mas vai já deixando o aviso: “A consideração de cenários e variações apresentada pela ERSE no seu comunicado é, no entender da EDP, mera simulação teórica que viola grosseiramente a lei que esteve na base da aceitação, pela EDP, do regime de CMEC.”

Igualmente crítica é a resposta da EDP às contas do regulador que apontam que dos 2500 milhões de euros que os consumidores pagaram com os CMEC em dez anos 500 milhões foram custos acrescidos face ao que tinham de suportar com os antigos contratos de aquisição de energia (que os CMEC vieram substituir no processo de criação do mercado ibérico da electricidade).

“A EDP repudia as alegações da ERSE em que esta entidade afirma que o regime de CMEC possibilitou a passagem para um quadro menos exigente, face ao que detinha em regime CAE.” A empresa garante que não só “não encontra qualquer fundamento para a alegada sobrecompensação de 510 milhões”, como diz ter estudos de entidades independentes “que demonstram que o regime dos CMEC se traduziu numa redução material dos custos a suportar pelos consumidores”, comparando com os CAE.

A finalizar a nota, a EDP recorda os investidores (mas também o regulador) que o mecanismo da revisibilidade é aplicado desde 2007 e que todo os anos é “auditado por entidades independentes, objecto de parecer da ERSE e homologação pelo Governo”, para, finalmente, ser “incluído pela ERSE nas tarifas pagas pelos consumidores”. 

O dossier está agora nas mãos do Governo, que terá de decidir se homologa este valor (ainda estão pendentes de despacho de homologação as revisibilidades de 2015 e 2016), ou se resolve acatar mais alguma das sugestões que a ERSE lhe faz de alteração ao cálculo dos pagamentos. Se dentro de duas semanas a ERSE ainda não tiver indicação do Governo quanto ao valor dos CMEC a incluir na tarifa, usará a estimativa entregue ontem. No entanto, se houver outras medidas legislativas em tempo útil da proposta das tarifas, serão esses os valores a ter em conta. Entre os cenários possíveis estão alterações às taxas de juro de rentabilidade dos CMEC ou a recuperação de ganhos com a aplicação do regime do equilíbrio concorrencial no mercado grossista às centrais com CMEC (um efeito que, segundo a ERSE, corresponde a “cerca de 100 milhões de euros a reverter em benefício dos consumidores”).

Para chegar ao valor da revisibilidade anual, a ERSE usou o mesmo software (o modelo Valorágua, que tem sido usado até à data pela EDP e pela REN, que é sua proprietária, no cálculo do valor do acerto anual) para fazer as estimativas das produções das centrais CMEC para o período entre 1 de Julho de 2017 e 31 de Dezembro de 2027.

A ERSE não explica o que é que levou a uma redução tão significativa do valor da componente variável dos CMEC (de 180 milhões para 15,4 milhões ano), mas uma parte da explicação tem que ver com o facto de o contrato da central a carvão de Sines (que representa o encargo mais elevado) terminar já no final deste ano. Depois disto, restarão os CMEC de 16 barragens, dos quais a maioria terminará em 2024 e o último em 2027.

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