No Facebook os amigos vêm antes das notícias

A rede social diz que mostra o que as pessoas querem. E a empresa quer que os jornalistas saibam isso.

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A rede social aposta em dar prioridade à partilha de informação pessoal Nelson Garrido

Antes de um utilizador ver uma publicação sobre actualidade do mundo, deve ver as novidades e fotografias dos amigos. É assim que o Facebook pensa.

“Primeiro e acima de tudo estão os amigos e a família. Temos dito isso desde o começo e vamos continuar a dizer isso”, frisa Tessa Lyons-Laing, a actual gestora de produto do Facebook, numa conversa com o PÚBLICO. “É o que a nossa comunidade quer de nós.”

A postura parece contrastar com o peso que se dá ao papel do Facebook para difundir notícias, mas não é uma novidade. Em Abril de 2015 o algoritmo do feed da rede social foi alterado para dar prioridade às publicações dos amigos (acima de órgãos de comunicação e entretenimento). Os utilizadores estavam preocupados em perder as “actualizações importantes dos amigos com quem se preocupam." 

“O que se tem de perceber, é que o newsfeed é pessoal”, diz a gestora de produto do Facebook.“Nós queremos oferecer informação, mas a forma como a informação aparece para cada indivíduo depende dos seus interesses pessoais e experiências." Com o crescente debate sobre das notícias falsas, Lyons-Laing tem participado em conversas informais com jornalistas por todo o mundo onde recorda a forma como o feed de notícias funciona. Até agora, o Facebook já falou com mais de 2600 organizações – foi num desses encontros, na sede da empresa em Madrid, que conversou com o PÚBLICO.

“Somos uma empresa de tecnologia”, reforça Lyons-Laing. Não é a rede social que puxa determinado tipo de conteúdo: quem acede a muitas notícias vai começar a ver mais no seu feed, quem prefere abrir vídeos de entretenimento, vê menos.

Porém, com mais de 1,9 mil milhões de utilizadores activos, continua a ser a maior empresa a reunir publicações noticiosas, mesmo que diga não as escolher, editar ou promover. Em Portugal, mais de 54% dos inquiridos ainda utiliza o Facebook para consultar informação notíciosa. A informação surge no mais recente relatório do Instituto da Reuters para o Estudo do Jornalismo, o Digital News Report 2017. Apesar de se notar um decréscimo no número de pessoas que usa o Facebok para notícias (em 2016, por exemplo, 67% dos utilizadores em Portugal liam notícias no Facebook), o site continua a ser a rede social preferida para procurar informação online pela maioria dos 36 países considerados no relatório. 

Desde que, no final de 2016, apareceram mentiras e propaganda disfarçadas de notícias na rede social – como o Papa Francisco a elogiar Donald Trump, ou Hillary Clinton a vender armas a terroristas – há muitas pessoas a acusar a rede social de manipular a opinião pública.

Outra forma que as notícias falsas encontram para entrar na rede social é a publicidade. Recentemente, a equipa do Facebook admitiu que, entre 2015 e Maio deste ano, milhares de anúncios (muitos com origem na Rússia) divulgavam informação falsa sobre temas como a imigração e os direitos humanos. No seguimento das acusações, o investidor americano Jason Calacanis usou o Twitter para acusar Zuckerberg de organizar reuniões pelo mundo para amenizar a reacção negativa sobre o papel das notícias no Facebook nas eleições americanas, e não para perceber melhor as pessoas.

“O inventário do que as pessoas vêem no Facebook depende das pessoas e páginas que seguem – mas, sim, nós temos uma responsabilidade para contribuir para uma comunidade informada”, admite Lyons-Laing. É um tema que a empresa leva cada vez mais a sério, nomeadamente ao procurar aliados entre as organizações noticiosas. Em Março, a revista especializada Columbia Journalism Review publicou um relatório extenso onde descreve a rede social como "a redacção mais importante do mundo, que apenas emprega uma mão cheia de pessoas em jornalismo, sem que nenhuma o esteja mesmo a fazer".

Do lado do jornalismo, a maior queixa, é a falta de monetização das empresas de media. “Ouvimos alto e em bom som que era preciso implementarmos sistemas de receitas na rede social”, diz ao PÚBLICO Alex Hardiman, a responsável pelos produtos noticiosos da empresa que viaja com Lyons-Laing. Devido às regras do feed de notícias, quando uma órgão de comunicação publica uma peça de jornalismo no Facebook, a não ser que pague para aumentar a sua exposição, não sabe se vai ser vista pelos seus seguidores. Isso é o algoritmo do feed de notícias que decide – e a rede social não o vai alterar para deixar de seguir as preferências do utilizador. Estão a ser desenvolvidas outras soluções.

Com as actualizações anunciadas em Agosto, vai ser possível subscrever a órgãos noticiosos através dos Instant Articles (a plataforma do Facebook para publicar directamente conteúdos noticiosos na rede social) e o dinheiro vai totalmente para as próprias empresas de media. Além disso, as publicações vão dar mais ênfase ao logótipo do órgão de comunicação nas notícias partilhadas na rede social, para que se saiba a sua origem.

"Somos uma plataforma aberta a todas as ideias", diz Lyons-Laing. "Mas as pessoas que ouvimos mesmo são as pessoas que usam a nossa plataforma."

O PÚBLICO viajou a convite do Facebook

Actualização 10/2017: O penúltimo paragrafo foi editado para clarificar que as actualizações anunciadas em Agosto ainda não estão disponíveis.

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