Com uma ajuda dos “deuses”, os partidos pequenos também podem sonhar alto

Querem estar próximos dos cidadãos e fazem questão de entrar no jogo democrático, mesmo sentindo-se abafados pelos grandes partidos. Eles não desistem e andam aí nestas autárquicas.

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Em Lisboa há várias candidaturas dos pequenos partidos Miguel Manso

Alguns querem ser “a resposta à crise dos partidos tradicionais”, garantem estar a “romper o colete-de-forças de esquerda e direita”. Dizem-se irreverentes, não estão preocupados com cartazes, ponderam contornar restrições financeiras com o recurso ao crowdfunding, e aspiram a eleger um deputado municipal se os “deuses” estiverem para aí virados. Há quem concorra, nestas eleições autárquicas, a dezenas de concelhos, há quem aposte em eleger representantes em Lisboa. Os partidos mais pequenos conhecem o sistema que os empurra para as margens e põe os holofotes em cima dos que têm representação parlamentar. Mas isso não os impede de sonhar.

O Livre, por exemplo, tem candidaturas em sete municípios. Privilegiaram “a qualidade acima da quantidade”. Mas as principais apostas são Lisboa e Oeiras. Em Lisboa, fazem parte da candidatura Lisboa Precisa de Todos (do autarca socialista Fernando Medina) e, neste caso, um dos objectivos é eleger os cabeças-de-lista indicados pelo Livre, nas freguesias da Estrela e do Areeiro.

Em Oeiras, o partido – que desafiou sem sucesso o PAN, o Bloco de Esquerda e o PCP para uma candidatura conjunta – quer eleger pelo menos um deputado municipal. Já em Loures, por exemplo, BE e Livre celebraram um acordo coligatório, tendo o partido fundado por Rui Tavares indicado, entre outros, uma candidata à lista para a autarquia. Quem também apoia o BE em Loures é o Movimento Alternativa Socialista.

A campanha, no caso do partido que idealizou em primeiro lugar a “geringonça”, passará pelo contacto directo com as populações, para além de uma forte aposta nas redes sociais. Em todos os municípios apresentam propostas em áreas diferentes. Em Ponta Delgada, por exemplo, o Livre defende “a criação de uma moeda que dinamize a economia local”.

Já o Juntos Pelo Povo (JPP) quer, pelo menos, continuar o trabalho iniciado há quatro anos em Santa Cruz, na Madeira, onde o partido nasceu. Concorre a 11 municípios: com candidaturas próprias em Santa Cruz, Machico, Ribeira Brava (Região Autónoma da Madeira), Felgueiras e Odivelas; em coligação, no Funchal, Maia, Lisboa, Loures, Cascais e Sintra.

Longe da lógica que norteia os maiores partidos, o JPP defende, entre outras ideias, que “os modelos económicos devem estar ao serviço das pessoas e não o contrário, como actualmente acontece”, diz por email o secretário-geral do partido, Élvio Sousa. E acrescenta: “O JPP insere-se num novo ciclo de cidadania participativa e interventiva, tendo-se constituído como partido apenas porque o quadro legal vigente limita a participação política a um sistema de partidos tradicionais, coarctando assim a cidadania a outros tipos de organizações ou movimentos. Continuaremos a apostar na proximidade e na participação. Essa é a política correcta.”

Nesta corrida, o Nós, Cidadãos! estará em 20 concelhos e mais de 60 freguesias – em 13 com candidaturas próprias e em sete com coligações e acordos coligatórios com CDS, PSD, PS e BE. “Não é por acaso que somos a única formação capaz de dialogar com forças de todo o espectro partidário, porque estamos a romper o colete-de-forças de esquerda e direita”, escreve num email o presidente do partido, Mendo Henriques, acrescentando que querem intervir “fora do espartilho dos partidos tradicionais” e que ponderam o recurso ao crowdfunding para juntar dinheiro.

Os bonecos e a realidade

“Sendo uma eleição autárquica, as estratégias serão locais. O ponto comum é a estratégia de proximidade: perguntar, primeiro, às populações do que sentem falta e voltar a essas populações com propostas adequadas, comunicadas em reuniões, folhetos, entrevistas e debates. Não estamos muito preocupados com cartazes. Consideramos que o eleitorado tem cada vez mais discernimento para separar entre os ‘bonecos’ e a realidade”, explica.

Exemplos do que prometem? “Em Portimão, sabemos como desendividar a Câmara; em Espinho, sabemos como despertar a cidade; em Oleiros sabemos como dar à volta um concelho martirizado; em Oliveira de Frades sabemos como financiar o empreendedorismo; em Lisboa, sabemos como pensar os residentes; em Arouca, sabemos como vitalizar o turismo”, enumera Mendo Henriques. E a lista continua: em Braga, defendem uma “nova mobilidade”; em Gaia, a assistência social. Mais: “Em Sintra, sabemos da importância de um novo hospital; na Amadora sabemos  integrar as comunidades lusófonas; em Loures, somos pela inclusão; em Oeiras, somos contra o betão.” Os candidatos destacam-se pela “irreverência”, entre outras qualidades referidas pelo presidente do Nós Cidadãos!, força que diz ser “a resposta portuguesa à crise dos partidos tradicionais”.

Também muito crítico de um sistema que privilegia os partidos maiores, Fernando Loureiro, da Comissão Política Nacional do Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) não dispensa um pouco de ironia quando traça objectivos para estas eleições: “Por exemplo em Lisboa, tentamos, ou sonhamos, no mínimo, eleger um deputado municipal, se os deuses o entenderem.” Lisboa e Carregal do Sal são as apostas deste partido que anda no terreno a contactar com as pessoas, com “frontalidade” e, também, com “irreverência”.

Mas há mais partidos sem representação parlamentar que estão nesta corrida autárquica, com propostas diferentes em vários concelhos. Já conhecido dos portugueses, o PCTP/MRPP mantém a sua identidade bem expressa, por exemplo, na introdução do documento que reúne as propostas para Vila Nova de Gaia: “É importante transmitir às pessoas ideias revolucionárias. (…) A poesia, o trabalho, o direito ao voto, e a educação para todos são algumas das demandas que são para nós prioritárias e fundamentais. Na base desses ideais, estão os valores comunistas defendidos pelo nosso partido. A grande luta é contra a acumulação de capital, e a defesa sem tréguas a favor dos trabalhadores”.

Em Lisboa, por exemplo, o Partido Popular Monárquico (PPM) e o Movimento Partido da Terra (MPT) assinaram um acordo de coligação com a centrista Assunção Cristas. Lisboa não é caso único: também noutros municípios, o PPM é aliado da direita – por exemplo, apoia o PSD no Porto; em Loures, e, em Braga, junta-se a sociais-democratas e centristas. O MPT, também próximo da direita noutros concelhos, apoia o independente Rui Moreira no Porto.

Já o presidente do Partido Trabalhista Português (PTP), Amândio Madaleno, que volta a estar na corrida, fez questão de dizer à agência Lusa que “não pode haver só a geringonça e a direita, tem de haver alternativas”. Polémico continua a ser o Partido Democrático Republicano: neste mês soube-se que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) considerou válidas as candidaturas simultâneas de Filipe Costa à Câmara de Viana do Castelo e Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez, por se ter esgotado o prazo para impugnação de listas. À Lusa, o porta-voz da CNE explicou que, caso seja eleito, o candidato não pode tomar posse em mais do que um órgão autárquico.

Quem também anunciou o regresso foi Orlando Cruz, apresentando uma candidatura à autarquia do Porto pelo partido Portugal Pró Vida/Cidadania e Democracia Cristã. O candidato, que já sonhou com Belém, ficou sobretudo conhecido em 2013 quando, apoiado pelo PTP e depois de ter desistido de conquistar o Porto, formalizou a candidatura montado num burro. O bicho chamava-se Troika e não pagava portagens.

Nestas eleições, há ainda que contabilizar o Partido Nacional Renovador, com candidaturas apresentadas a 13 concelhos.

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