ERSE propõe corte de 165 milhões de euros na renda anual da EDP

ERSE limita ganhos da EDP com os custos de manutenção para o equilíbrio contratual (CMEC) a 830 milhões de euros até 2027, mas dá pistas ao Governo para realizar mais cortes. Estes contratos custaram 500 milhões de euros a mais aos consumidores.

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NUNO FERREIRA SANTOS

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) entregou esta sexta-feira ao Governo o estudo sobre o cálculo final do valor que os consumidores terão de pagar à EDP no âmbito dos seus contratos de compensação, os CMEC. Embora haja uma componente fixa destes instrumentos que garantem à EDP um pagamento médio de 67,5 milhões de euros por ano, faltava fazer as contas à parcela de acerto anual que a empresa terá direito a receber até 31 de Dezembro de 2027, data em que acaba o último contrato. O valor anunciado pela ERSE num comunicado divulgado esta sexta-feira representa um corte de aproximadamente 165 milhões de euros face ao valor médio que a EDP tem recebido anualmente, desde 2007.

“Na base do que estabelece o quadro actual legal, o estudo apresenta um valor de ajustamento final global de 154 milhões de euros”, revelou a entidade reguladora liderada por Cristina Portugal, que foi incumbida na Lei do Orçamento do Estado para este ano de fazer o acerto de contas final entre os consumidores e a eléctrica, substituindo nesse papel a própria EDP, que até à data estava encarregue, em conjunto com a REN, de definir o montante da revisibilidade anual que era proposta para homologação do Governo.

Assim, segundo os cálculos da ERSE, o valor variável que a empresa liderada por António Mexia terá direito a receber nos próximos dez anos não poderá ultrapassar os 154 milhões de euros, o que dá, em média, um pagamento de 15,4 milhões de euros por ano. Somando o valor deste acerto anual ao valor da componente fixa (cerca de 67,5 milhões), a remuneração que a EDP terá direito a retirar das tarifas da luz deverá rondar os 83 milhões de euros por ano (ou cerca de 830 milhões até 2027), um valor bastante distante dos 250 milhões de euros que foram a média desde a entrada em vigor destes custos de manutenção para o equilíbrio contratual (CMEC), em Julho de 2007, em que a componente variável (conhecida por revisibilidade) tinha um valor médio de 180 milhões de euros.

O regulador explica que para chegar a este valor, socorreu-se de uma “estimativa das produções das centrais CMEC para o período entre 1 de Julho e 31 de Dezembro de 2017” efectuada a partir do software Valorágua, que pertence à REN e que foi o software de simulação imposto no decreto-lei dos CMEC. Foi com uma cópia (funcional e operativa) pedida à REN, que a ERSE realizou a sua “condução autónoma” do processo de simulação.

A ERSE não explica em concreto o que é que levou a uma redução tão significativa do valor da componente variável dos CMEC, mas uma parte da explicação poderá ter a ver com o facto de o contrato da central a carvão de Sines (que representa o encargo mais elevado) terminar já no final deste ano. Depois disto, restarão os CMEC de 16 barragens, dos quais a maioria terminará em 2024 e o último em 2027. Além disso, o PÚBLICO sabe que nesta análise, embora usando o mesmo software que até agora vinha a ser usado pela REN e pela EDP, a ERSE usou outra abordagem. Antes, por exemplo, foram subconsideradas pelas empresas as receitas das centrais CMEC com os serviços de sistema. Estas compensações deveriam ser abatidas ao cálculo da revisibilidade, uma vez que as centrais já recebiam por esse serviço, mas esse desconto a favor dos consumidores não era realizado.

O novo valor variável, que dificilmente bate certo com as expectativas da EDP (segundo informação recolhida pelo PÚBLICO, a empresa já entregou ao regulador os seu próprios cálculos), tem agora de ser validado pelo Governo, porque não só não é vinculativo, como até pode nem ser final, já que a própria ERSE admite outros “cenários e variações”.

A entidade reguladora deixa claro que não se limitou a fazer as contas da revisibilidade final: “A ERSE incluiu também neste estudo uma apreciação crítica do regime CMEC e identificou aspectos que, sendo alterados ou aclarados, terão efeitos que podem reduzir o valor apurado”.

Ou seja, a apreciação e a decisão será sempre política, mas há, do ponto de vista técnico, muita margem para mexer no regime dos CMEC, como a própria ERSE reconhece. São medidas que podem passar, por exemplo, por eliminar os ganhos financeiros que a EDP obtém pelo facto de ter uma menor taxa de juro para actualizar o valor dos seus cash-flows e uma taxa de juro superior para aplicar ao valor da renda anual. Esta arbitragem financeira terá pesado cerca de 125 milhões de euros nos últimos dez anos nos encargos dos consumidores com os CMEC.

A ERSE fez contas aos ganhos futuros da EDP, mas também olhou à lupa para os 2500 milhões de euros que a eléctrica conseguiu retirar das facturas da luz dos consumidores portugueses nos últimos dez anos. E o que viu foi que estes pagaram mais 510 milhões de euros do que teriam pago com os contratos de aquisição de energia (CAE) face aos CMEC que os vieram substituir, na sequência da criação do mercado ibérico da energia.

Não foi uma surpresa. Em 2004, antes do diploma dos CMEC ser aprovado, a ERSE já tinha alertado o Governo de Durão Barroso para o facto de o mecanismo não assegurar a neutralidade face aos CAE, traduzindo-se, na prática, em novos encargos para os consumidores de electricidade. Os avisos caíram em saco roto, mas no ano seguinte a entidade reguladora (presidida então por Jorge Vasconcelos) voltou à carga, quantificando os custos extra dos CMEC em pelo menos 600 milhões de euros.

Agora, volta a pôr o dedo na ferida, afirmando que no estudo enviado ao Governo “são identificados aspectos que a ERSE já havia explicitado aquando do parecer ao projecto de diploma” dos CMEC. Por isso, a análise que agora está nas mãos do executivo de António Costa “evidencia que a introdução do regime dos CMEC possibilitou a passagem para um quadro menos exigente para os detentores dos centros electroprodutores do que o regime dos CAE” e que isso se traduziu num “acréscimo de custo acumulado [pago pelos consumidores] que se estima em cerca de 510 milhões de euros”.

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