BPI na rota do furacão da independência da Catalunha

O CaixaBank recusa clarificar se já entregou aos reguladores planos de contingência para sobreviver em cenários extremos a partir do referendo de domingo. E que podem afectar o sexto maior banco a operar em Portugal.

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Pablo Forero assumiu a liderança do BPI depois de o grupo catalão ter adquirido o domínio da instituição financeira portuguesa Paulo Pimenta

As incógnitas que se abriram nos últimos dias com a decisão das autoridades da Catalunha de colocarem a referendo a sua independência de Espanha, contrariando Madrid, estão a levar os analistas e as casas de investimento a desdobrarem-se em alertas sobre a iniciativa. Sob pressão do risco político e económico, caso a situação se descontrole, ficará o CaixaBank, o activo mais relevante da Catalunha e o maior banco de retalho de Espanha, e dono do BPI, cuja liquidez é gerida em articulação com a do banco catalão.    

Faltam apenas três dias para o governo regional da Catalunha liderado por Carles Puigdemon avançar com a consulta popular para referendar a independência, isto a confirmar-se a realização da iniciativa no próximo domingo. E, à medida que o dia 1 de Outubro se aproxima, sucedem-se os incidentes entre as forças soberanistas e o executivo de Mariano Rajoy (que reitera a decisão de travar o acto), o que aumenta o risco político e acentua a incerteza em torno do futuro da Catalunha. Trata-se de uma das regiões mais ricas de Espanha: representa 19% do PIB espanhol e os catalães são 16% da população total.

Ontem o El País avançava que estavam a chegar aos escritórios de advogados pedidos de informações de teor financeiro e jurídico sobre o processo e que há “empresas que optaram mesmo por congelar investimentos”. Aos receios dos investidores gerados pelo conflito na Catalunha juntam-se as dúvidas surgidas em resultado das eleições alemãs e quanto ao desfecho do diferendo entre os EUA e a Coreia do Norte.

Esse ambiente contribuiu para que a semana começasse negra para muitas empresas espanholas cotadas no índice bolsista Ibex. O destaque foi para as financeiras sensíveis a cenários políticos e económicos difíceis. Na última segunda-feira, o CaixaBank, dono do BPI, foi particularmente castigado, com a cotação a dar um tombo de 3,79%. Foi até mais acentuado que o dos outros bancos cotados na Bolsa de Madrid: o BBVA caiu 1,88%, o Santander 1,16%. Mesmo o catalão Sabadell foi menos penalizado, 1,13 %. Apesar de ter iniciado a semana com perdas, o CaixaBank resistiu nas últimas sessões, mas ontem já estava a negociar no vermelho.

O PÚBLICO inquiriu o CaixaBank para saber se já se dotou de planos de contingência e se estes contemplam medidas de apoio ao BPI; se os entregou aos reguladores e se o banco admite mudar a sua sede de Barcelona para outra região de Espanha. Às questões de natureza regulatória e estratégica o CaixaBank respondeu: “O CaixaBank não comenta temas políticos.” 

Secessão do CaixaBank?

Quem excluiu imediatamente a hipótese de deslocalização do CaixaBank para fora da Catalunha, em caso de secessão, foi Adrià Alsina, “por não ter lógica”. O porta-voz da Assembleia Nacional da Catalunha, que prestou declarações ao PÚBLICO na qualidade de professor universitário e de activista do movimento independentista, defende que, “havendo dois Estados, o espanhol e o catalão, nada mudará para o CaixaBank”, que “manterá a licença bancária para operar no resto de Espanha, mas passará a responder perante o banco central da Catalunha” e o Banco Central Europeu. E concretizou: “A situação é contrária à do Santander, que manterá a sede em Espanha, mas terá licença bancária para trabalhar na Catalunha.”

Na perspectiva deste académico, se “a votação de domingo” apontar para o sim à separação de Espanha, os passos seguintes serão os previsíveis e “não levantam problemas”: a Catalunha iniciará um período de negociação com a Espanha e a União Europeia (UE). E não se antecipa, “por não ser do interesse de nenhuma das partes”, que se ergam fronteiras físicas entre “dois Estados diferentes” que integram o mesmo espaço europeu. “Não é do interesse de nenhuma parte que a Catalunha deixe a União Europeia”, refere.

No entanto, para aderir à UE, a Catalunha não poder ter a oposição de nenhum Estado-membro, ou seja, a Espanha terá de estar de acordo — o que não se antecipa, em ambiente de confronto. Há outro obstáculo: o tratado da UE não prevê que um país se possa cindir de outro já na UE sem que isso ocorra dentro da Constituição nacional.

A visão dos investidores

Com a pressão a aumentar, e o risco político a acentuar-se, os analistas e investidores institucionais desataram a emitir opiniões. Na sua edição de ontem, o El País referia que o Bank of America Merrill Lynch, o ING, a agência Moody’s, o JP Morgan e o Goldman Sachs muniram-se de relatórios sobre a situação catalã. E “se a maioria considera remota a hipótese de secessão”, os analistas “da Merrill Lynch, do Oxford Economics e da Goldman Sachs antecipam “uma escalada de tensões políticas” que são um obstáculo a um final feliz.

E algumas das observações colocam no centro o CaixaBank. A 18 de Setembro, o jornal económico Expansión salientava que as incertezas geradas pelo braço-de-ferro entre Barcelona e Madrid levaram a uma onda de recomendações “sem precedentes” de afastamento do título CaixaBank, com a Redburn e a Goldman Sachs a avisarem que “a entidade financeira catalã deixou de ser uma opção de compra”.

Ainda assim o Expansión observava que nos últimos três meses os analistas reavaliaram positivamente o CaixaBank, o que levou a uma subida do preço médio em mais de 4%. Só que “agora estão a tomar precauções”, por medo das perturbações que se podem desencadear a partir de segunda-feira. E sublinhava que a entidade catalã mantinha a melhor evolução anual do Ibex 35, com uma subida de 38%. Ontem a cotação caiu apenas 1,5%.

Esta situação abre a porta a várias interpretações: os investidores não estão preocupados com a eventual secessão da Catalunha de Espanha, pois sabem que o CaixaBank como principal activo da região será protegido; os investidores não acreditam nesta possibilidade, e já descontaram que não vai haver independência; os investidores andaram distraídos. E é esta última perspectiva que é partilhada pelo JP Morgan, um dos bancos que vieram a público tomar posição.

Esta terça-feira, em comunicado emitido através da agência Bloomberg, o banco norte-americano destaca que “a crise constitucional que atinge Espanha, pelo separatismo catalão, está a ser analisada com complacência pelos investidores”. E considera mesmo que os investidores “ainda não interiorizaram” os riscos associados a uma vitória do sim no referendo.

Por isso, o JP Morgan aconselha os clientes a “venderem dívida pública espanhola e a comprarem obrigações [do Tesouro] de Portugal e da Alemanha e adoptarem posições curtas”. Com um aviso: “Devem fazê-lo assim que possível.”

Dias antes, a agência de notação financeira Moody’s veio defender que a independência da Catalunha “debilitaria a fortaleza económica” de Espanha. E destacou o peso económico e demográfico da Catalunha, com um produto interno bruto per capita superior à média nacional, no conjunto do Espanha. A Moody’s admite que a crescente deterioração da situação política poderá acabar na reavaliação em baixa de risco de crédito da Catalunha e de Espanha.  

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