“Qualidade do turismo não se faz apenas com bons hotéis, faz-se com lideranças fortes”

Sectores tradicionais da economia como o turismo, o vinho e o calçado envolvem-se na formação à medida das necessidades e do crescimento do país. O PÚBLICO falou com várias universidades portuguesas, onde os empresários trocam os escritórios pela sala de aulas.

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O sector do turismo em Portugal atravessa um boom Diogo Baptista

Longe vão os tempos em que a formação de turismo estava restrita às escolas profissionais de hotelaria. Com o crescimento turístico em Portugal, os quadros de empresas e proprietários de alojamento encontram na oferta de formação executiva a solução para competirem dentro e fora de portas. O PÚBLICO falou com os coordenadores dos cursos de turismo de 13 instituições académicas portuguesas: o turismo parece crescer à velocidade da luz em Portugal e os alunos não querem perder esta corrida.

A importância da formação da área do turismo é referida no documento elaborado pelo Turismo de Portugal e o Ministério da Economia, “Estratégia Turismo 2027, cujo lema “liderar o turismo do futuro” deixa algumas pistas para o que se pretende que seja a qualificação dos empresários, quadros e agentes turísticos. Nos “dez desafios globais para uma estratégia a dez anos”, a promoção do emprego, da qualificação, a valorização das pessoas e “o aumento dos rendimentos dos profissionais do turismo” aparecem em primeiro lugar. “Importa sublinhar que a contribuição económica do turismo, sobretudo pela via da produtividade, é fortemente condicionada pelo nível formativo dos seus recursos humanos”, explica João Albino, coordenador do doutoramento em Turismo da Universidade do Algarve, ao PÚBLICO.

Tal como em várias áreas de oferta da formação executiva, também o turismo usufrui de uma variedade de ciclos de estudo em Portugal. Entre mestrados, pós-graduações, cursos e programas avançados - de Norte a Sul, nas ilhas, no litoral e no interior -, os alunos podem encontrar a formação mais indicada às suas ambições e preferências. “A descentralização destas formações é extremamente importante, de outra forma os actuais ou futuros empresários/gestores não teriam como reforçar a sua formação e adquirir novas competências para a gestão dos seus negócios, seja no turismo, ou em outro qualquer sector”, afirma Carla Marques, coordenadora da pós-graduação de Empreendimento Turístico na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

As razões pelas quais a qualificação se revela imprescindível no sector turístico podem variar consoante os objectivos dos alunos, que são uma “mancha” cada vez mais heterogénea nas universidades portuguesas e na formação executiva. “A grande mais-valia resulta na diversidade de formações de base dos nossos candidatos, que vêm não apenas do turismo, mas também da gestão, marketing, património, história, línguas e culturas”, acrescenta Filipa Brandão, professora do mestrado em Gestão de Turismo da Escola Superior de Hotelaria e Turismo, do Instituto Politécnico do Porto.

Muitos estudantes são empresários - directores de unidades de hotelaria, operadores turísticos, gestores -, outros vêm directamente das licenciaturas e pretendem fazer do turismo uma área de especialização, vários querem mudar de carreira e, por fim, há quem deseje aproveitar o património privado para alojamento turístico.

Apanhar o “comboio” do crescimento

Mas estudar turismo pode significar uma resposta a problemas maiores do que as ambições pessoais de cada aluno. Estar ao nível do crescimento turístico do país aparece como uma das prioridades, especialmente quando a formação dos agentes do sector ainda apresenta algumas lacunas. “Um dos problemas recorrentes do turismo e hotelaria é a falta de qualificação dos profissionais, portanto, apostar na qualificação é urgente. Os clientes tornam-se mais exigentes, sendo fundamental o sector acompanhar essa evolução, ser capaz de responder aos desafios que o mercado coloca”, refere Susana Silva, professora do mestrado em Direcção Hoteleira do Politécnico do Porto.

A mesma opinião tem Pedro Pintas, coordenador do mestrado de Economia Turística e Desenvolvimento Regional da Universidade do Algarve, cujas aulas são leccionadas em inglês e o “recrutamento” de estudantes faz-se um pouco por todo o mundo: “O turismo é um fenómeno complexo cuja dinâmica depende, em grande parte, de políticas apropriadas e de trabalhadores qualificados”. Essas políticas estão registadas em planos de estudo dos cursos superiores de turismo e a sustentabilidade é tida em conta na hora de qualificar os recursos humanos.

Veja-se o exemplo do mestrado em Ecoturismo do Instituto Politécnico de Coimbra, onde algumas disciplinas focam-se na gestão ambiental e na conservação da natureza. No entanto, para Orlando Simões, coordenador deste mestrado, o maior desafio da formação executiva pode estar na “maior profissionalização do turismo em espaços rurais e naturais, quer ao nível do alojamento, quer ao nível das empresas de animação turística”.

Uma balança comercial saudável no turismo pode sustentar-se em variantes menos usuais, como o ecoturismo, o turismo rural e até o turismo de luxo. No Instituto Politécnico de Castelo Branco, o master executive em Gestão de Unidades de Turismo em Espaço Rural pretende oferecer “uma formação especializada neste subsector”. Para o coordenador George Ramos, o turismo rural tem “potencialidades de crescimento muito elevadas, cujos factores de diferenciação passarão pela qualidade do serviço e da infra-estrutura, pela capacidade de proporcionar experiências únicas e pelas singularidades patrimoniais”.

Já numa área completamente diferente, a Universidade de Lisboa quer colocar Portugal e a formação executiva na rota do turismo de luxo. A primeira edição do curso de Gestão de Turismo de Luxo vai acontecer em Outubro, durante dois dias, e receberá mentores como Simon Taylor, responsável pela área da restauração da Condé Nast Internacional, onde se destacam estabelecimentos como o Vogue Café; e ainda, Isabelle Aguerre, especialista em experiências de luxo na Chanel, Balenciaga e Cartier. “Temos todas as condições para crescer e posicionar Portugal como destino de luxo, mas precisamos de apostar fortemente na qualificação e formação das equipas que trabalham neste mercado”, afirma a coordenadora Helena Neto.

Saber e aprender turismo

A formação de pessoas na hotelaria, na restauração e em várias actividades turísticas requer o abandono de certas ideias pré-concebidas. “Convém rejeitar dois lugares comuns que são autênticas falácias: a ideia de que os portugueses falam línguas estrangeiras com facilidade e a ideia exagerada da nossa lendária hospitalidade”, aponta Francisco Dias, coordenador do curso Gestão de Turismo para Empresários e Empreendedores, da D. Dinis Business School, em Leiria. Para o professor, a hospitalidade pode ser afinal um dom natural, passível de ser desenvolvido em contexto de formação, mas um bem adquirido.

Já falar de alojamento turístico em Portugal, particularmente nas grandes cidades, é falar de alojamento local – segundo a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, a legalização destas unidades terá permitido uma receita de 123 milhões de euros em 2016 para o turismo português. Se alguns proprietários já começaram a prestar atenção à formação, outros ainda não despertaram para os padrões de exigência que o ensino permite e que o sector turístico começa a exigir.

“Há uma crescente concorrência, o que implica que uma oferta pouco qualificada e revestida de amadorismo não consiga vencer os desafios que se colocam ao turismo nacional”, diz Carlos Santos, coordenador do mestrado de Gestão do Turismo Internacional da Universidade dos Açores. “Por outro lado, a crescente sofisticação da procura turística e o maior conhecimento de ofertas alternativas em outros destinos não se compadecem com amadorismos”, contrapõe.

A mesma opinião é partilhada por Hélia Gonçalves Pereira, directora do programa de pós-graduação em Gestão de Topo em Hospitalidade e Turismo do INDEG-ISCTE, que acrescenta que tanto os responsáveis das cadeias de hotéis como do alojamento local devem olhar para a formação executiva como uma oportunidade. E vaticina: “A gestão amadora dos negócios tem os dias contados”.

Não será apenas a qualidade das infra-estruturas (hotéis, restaurantes, instâncias balneares) a ditar a escolha de Portugal como um destino turístico para turistas nacionais e internacionais. A qualificação dos recursos humanos no sector terá um papel a cumprir. “Poderemos ter boas infra-estruturas turísticas, bons hotéis, mas isso não faz a qualidade do turismo num país ou numa região ou empresa. Faz-se, em grande medida, com lideranças fortes, com quadros executivos preparados e em contínua actualização de conhecimentos”, justifica Nuno Fazenda, coordenador do programa avançado de Gestão para o Turismo da Católica Lisbon School of Business & Economics.

Com mais ou menos grandiosidade e requinte no tipo de turismo escolhido pelos turistas e praticado pelos agentes do sector, a formação executiva torna-se o próximo passo para quem quer competir com os melhores. “Tem de proporcionar novas aprendizagens aplicadas e orientadas para a inovação, capazes de responder às exigências de uma indústria em mudança acelerada”, conclui Ana Paula Pais, directora interinstitucional da pós-graduação em Gestão Turística e Hoteleira, do Instituto Politécnico de Coimbra, uma iniciativa em parceria com a Escola de Hotelaria de Coimbra.

Do vinho ao sapato: um mundo de formação

Também o vinho português começa a entrar na oferta de formação executiva. Num sector tradicional da economia e importante fonte de riqueza para várias famílias portuguesas, o caminho para a inovação leva-o a partilhar o “palco” com a modernidade. Por exemplo, através do marketing de vinhos. Na Universidade do Minho, este curso prepara os alunos para uma “posição competitiva dos vinhos portugueses com vista à internacionalização”, diz a professora Beatriz Casais ao PÚBLICO.

Na maioria dos programas dedicados a executivos na área dos vinhos, são os enólogos, os gestores e administradores de empresa do sector e engenheiros agrónomos a sustentar a sua existência. Muitos procuram actualizar o trabalho e a ganhar visibilidade junto de mercados externos, cada vez mais competitivos, enquanto outros querem revitalizar o negócio de empresas familiares. “O negócio do vinho é muito dinâmico e é uma área de saber em constante evolução”, explica Alice Vilela, coordenadora da pós-graduação em Ciências Gastronómicas – food and wine in-motion, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, cuja primeira edição começa em Outubro.

No entanto, as universidades ainda não conseguem convencer todos os produtores e agentes no mercado do vinho. “Sendo um sector tradicionalmente conotado com uma cultura de conhecimento empírico transmitido de geração em geração, existe, efectivamente, em muitos agentes a falsa ideia de que o conhecimento técnico-científico não é tão importante assim”, explica Francisco Campos, coordenador do programa Gestão do Negócio do Vinho da Católica Lisbon School of Business and Economics, feito em parceria com a Escola Superior de Biotecnologia do Porto da Universidade Católica Portuguesa.

Já Pedro Guerreiro, coordenador do curso de especialização em Gestão do Vinho, no Instituto Superior de Administração e Gestão, acredita que é “fundamental estar na vinha”. Mas parte do sucesso do negócio advém dos contactos que se estabelecem com outras empresas e clientes. E o ensino superior ajuda: “As universidades sistematizam esse conhecimento, dão-lhe uma sequência lógica. Mas o mercado e as universidades são complementares, não podem ter existências próprias, viradas sobre si próprias”, afirma.

E se o vinho é já um dos motores principais das exportações portuguesas, também o enoturismo parece estar a ganhar adeptos. Talvez, por isso, se justifique a existência da pós-graduação Gestão do Enoturismo da Universidade Lusófona. “É uma área com cada vez mais expressão e impacto em Portugal e, portanto, diria que de uma forma global os agentes do mercado valorizam a formação contínua e actualizada, ao ritmo que as coisas evoluem e exigem mais e mais conhecimento”, esclarece Vasco Santos, professor deste curso.

Já em outro espectro completamente diferente, a formação executiva encontra mais um elemento dos sectores tradicionais da economia portuguesa: o calçado. Desta vez, é uma oferta única no país. A pós-graduação em Branding e Comunicação para Marcas de Calçado, da Universidade Europeia e do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM) pretende preencher a lacuna da falta de formação para quadros especializados no sector e “transformá-la numa oportunidade”, segundo Orlando Fontan, director da formação executiva destas instituições. A primeira edição começa em Outubro e têm a duração de nove meses.

 

Notícia corrigida a 3.10.2017: a pós-graduação em Gestão Turística e Hoteleira, no Instituto Politécnico de Coimbra, é uma parceria com a Escola de Hotelaria de Coimbra.

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