Oitenta casos de mutilação genital feminina registados em Portugal em 2016

A secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade considera que “o trabalho que está a ser feito com os profissionais de Saúde está a dar resultados”. Contudo, para a responsável, o objectivo é “erradicar a prática” do país.

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NFS - NUNO FERREIRA SANTOs

Oitenta casos de mutilação genital feminina (MGF) foram detectados em Portugal em 2016, demonstrando que o trabalho realizado para combater esta prática está a resultar, disse à Lusa a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino.

As vítimas são “mulheres com mais de 15 anos, numa adolescência já tardia ou na fase adulta”, adiantou Catarina Marcelino, à margem do seminário internacional Respostas Institucionais ao Corte/Mutilação Genital Feminina, organizado pelo Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, que decorre até sexta-feira em Lisboa.

“O trabalho que está a ser feito com os profissionais de Saúde está a dar resultados, mas o que queremos mesmo é erradicar a prática”, disse a secretária de Estado, referindo-se aos casos registados na base de dados do Ministério da Saúde.

Contudo, admitiu Catarina Marcelino, é “uma área de trabalho muito difícil”, uma vez que nem sempre é fácil identificar a mutilação em termos técnicos.

“Houve um esforço nos últimos anos em Portugal de dar ferramentas aos profissionais de Saúde, através de uma pós-graduação específica”, mas também às forças de segurança, nomeadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), porque “é um crime público”.

No seminário foi distribuído o “guia de formação académica multissectorial sobre corte/mutilação genital feminina” que permitirá “dar ferramentas a estes profissionais para poderem agir”.

Como em todas as outras violências, “há sinais” nas próprias dinâmicas familiares, que “permitem identificar que algo não está bem”, sublinhou. Também há comportamentos nas crianças, “e às vezes até reacções físicas”, que podem levantar a suspeita de terem sido vítimas desta prática”.

Apesar de esta prática ser quase inexistente em Portugal, a governante defendeu que é preciso estar atento, porque geralmente as famílias levam as crianças para fora do país, sobretudo no Verão e na Páscoa. Por esta razão, têm sido realizadas campanhas nos aeroportos nacionais e na Guiné-Bissau para alertar para a situação.

Catarina Marcelino contou à Lusa um caso que espelha esta realidade e que está a decorrer na Justiça.

“Foi um caso detectado por um médico do Viajante que achou que havia alguma coisa estranha no comportamento da família.” Antes de a família viajar, a criança foi observada pelo médico de família, que verificou que não estava mutilada, e os pais foram contactados por uma equipa da Associação para o Planeamento da Família.

“Quando regressou a Portugal, a família foi notificada, a menina foi vista e verificou-se que havia indícios de mutilação”, disse. Para Catarina Marcelino, “o mais importante” é evitar que isto aconteça e, para isso, é necessário um “grande envolvimento de educação da comunidade”. 

Avançou ainda que o novo plano de ação na área da MGF, que se inicia em 2018, continua a apostar no trabalho com os profissionais da área da Saúde, das polícias e da Educação, mas centra-se nas comunidades e nos líderes religiosos que “têm mensagens muito positivas contra a MGF e contra as mulheres serem maltratadas dentro das comunidades e serem postas em segundo plano”.

“Temos de aproveitar essa realidade e fazer esta forte ligação à Guiné-Bissau”, disse, ressalvando que este não é um problema da comunidade guineense, mas de várias comunidades.

A mutilação genital feminina é uma realidade na Europa, onde se estima que mais de 500.000 mulheres tenham sido já directamente afectadas e onde cerca de 180.000 estão em risco todos os anos.

Em todo o mundo, segundo as últimas estimativas, há cerca de 200 milhões de mulheres afectadas. Em Portugal os números apontam para mais de 6000 mulheres e raparigas vítimas de MGF.

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