Supremo indiano iliba violador por considerar que vítima lhe deu um “não débil”

Realizador tinha sido condenado a sete anos de prisão por abusar sexualmente de uma estudante. Nova decisão está a provocar muitas críticas. Todos os “não” significam “não”, dizem.

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Vigília em honra de uma vítima de abuso sexual em Singapura Reuters/EDGAR SU

O Supremo Tribunal indiano ilibou um realizador de cinema acusado de abuso sexual, por considerar que o "não débil" da vítima poderia significar que esta consentia o acto sexual. A deliberação está a ser alvo de muitas críticas.

O realizador Mahmood Farooqui foi condenado a sete anos de prisão, por abusar sexualmente de uma estudante colombiana. De acordo com a vítima, o caso ocorreu em 2016 em Nova Deli e o agressor terá actuado num quadro de alcoolismo, tentando despi-la, apesar de esta não consentir.

À data, os advogados de Farooqui recorreram da decisão junto do Supremo Tribunal indiano. Segundo o diário britânico The Guardian, os advogados do arguido garantiram que a vítima e o suposto agressor nunca se encontraram. A defesa argumento ainda assim que, mesmo que tenha existido um encontro, Farooqui não estava ciente de que a vítima não consentia o acto.

Após o requerimento apresentado pela defesa do arguido, o juiz Ashutosh Kumar retirou a acusação ao realizador, afirmando que tinha de dar o "benefício da dúvida" a Farooqui. O Supremo considerou que não era claro se este tinha conhecimento de que a vítima não consentia o acto, por esta não ter resistido o suficiente.  

Citado pelo Washington Post, o juiz do Supremo Tribunal afirmou que "um não débil pode significar um sim" nos casos de abuso sexual. O juiz acrescentou ainda que "é muito difícil decifrar se pouca ou nenhuma resistência [por parte da mulher] (…) é de facto uma negação" ao acto sexual.

Apesar do argumento do juiz, o Código Penal indiano esclarece que o consentimento é "um acordo voluntário inequívoco quando a mulher com palavras, gestos ou qualquer forma de comunicação verbal ou não-verbal, comunica vontade de participar no acto sexual".

Mas, para o juiz Ashutosh Kumar, os actos da vítima podem dado a Farooqui a ideia de a mulher lhe dava o seu acordo, mesmo que "por engano". O juiz argumentou que, "num acto de paixão" o consentimento pode ser complexo e “pode não significar sempre sim, em casos de sim, ou não em casos de não".

Já a advogada da vítima, Vrinda Grover, considera que a absolvição do agressor "é errada em factos e na lei".

Todos os "não" significam "não"

A decisão do tribunal tem gerado descontentamento. Karuna Nundy, advogada do Supremo Tribunal da Índia que trabalhou na mais recente alteração na lei relativamente ao abuso sexual no país, diz-se preocupada com a decisão do Supremo. "[A decisão] torna as águas turvas e confunde muitos dos temas em torno do consentimento", referiu ao Guardian. "Quando alguém diz não – mesmo que este seja considerado débil – e não existe qualquer equívoco, não existe consentimento", acrescentou.

No Twitter, o escritor indiano Sanjay Sipahimalani escreveu que todos os "não" significam "não", mesmo quando são fracos, subtis ou nervosos.

Já à CNN, Jhuma Sem, um professor da Faculdade de Direito de Jindal, afirmou que a decisão "corrói a definição de consentimento" presente no Código Penal. Jhuma Sem acrescentou: "Parece que o tribunal está a criar uma barreira adicional de que o acusado devia ter sido aviso" pela vítima.

Num editorial, o jornal Times of India critica a decisão considerando que "o tribunal estabeleceu um precedente potencialmente perigoso de que um não nem sempre significa não". 

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