O insólito caso da freguesia independente que vai deixar de o ser

Aconteça o que acontecer, uma coisa é certa: no domingo, será um partido a ganhar o Parque das Nações. Em 2013, foi a única freguesia de Lisboa que elegeu independentes para a liderança da junta.

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Nuno Ferreira Santos

Quando os eleitores do Parque das Nações forem às urnas, este domingo, não vão encontrar no boletim de voto a candidatura independente que há quatro anos protagonizou uma das maiores surpresas da noite eleitoral em Lisboa. O grupo de cidadãos Parque das Nações Por Nós (PNPN), que ganhou a junta em 2013, coligou-se com o PS para as autárquicas deste ano e é o nome e as cores do partido que os lisboetas vão ver na solidão da cabine de voto.

A coligação eleitoral é novidade, mas a parceria entre o PNPN e o PS já vem de há uns anos. Como não tinham maioria e era difícil fazer passar propostas na assembleia de freguesia, os independentes aliaram-se ao PS, que lhes facilitou a vida. Ao mesmo tempo, o presidente da junta, José Moreno, passou a alinhar com os socialistas na assembleia municipal, onde o grupo do PS, sozinho, não chegava para ter maioria.

Dá-se, no entanto, uma circunstância insólita. A partir de Junho deste ano, a página de Facebook do PNPN começou a publicar comunicados em que “a coordenadora do PNPN” se distanciava de José Moreno e da sua intenção de fazer um acordo pré-eleitoral com o PS. Em Agosto, já depois de assinado esse entendimento, novo comunicado a reafirmar que o PNPN “não concorre às eleições autárquicas de 2017”.

O acordo de coligação foi celebrado a 6 de Julho e tem a assinatura de José Moreno, presidente da junta. Acontece que dois membros do PNPN, que dizem coordenar o grupo de cidadãos, afirmam que Moreno não tinha legitimidade para tomar aquela decisão e que ela nunca foi discutida internamente.

“O presidente da junta não é o presidente do PNPN. São coisas totalmente distintas”, afirma Pedro Morais, ex-assessor de Moreno, que, juntamente com Henrique Sanchez, que era o mandatário financeiro da candidatura há quatro anos, assinou os comunicados divulgados no Facebook. Ambos dizem que não foram tidos nem achados no processo e vêem a coligação do PNPN com o PS como uma traição de Moreno ao seu próprio movimento e aos eleitores.

Em Janeiro, diz Sanchez, “decidimos que íamos avançar com uma candidatura autónoma, o próprio José Moreno se disponibilizou para isso.” Mas, acrescenta, “foi sistematicamente adiada uma tomada de posição” e, por fim, os dois perceberam que ela nunca chegaria.

Do outro lado da barricada, José Moreno acusa Pedro Morais e Henrique Sanchez de se terem apropriado indevidamente da página de Facebook e não lhes reconhece qualquer autoridade no grupo. “Quem pode falar em nome do PNPN sou eu”, diz o ainda autarca, que agora concorre nas listas do PS à assembleia municipal.

O PNPN não tem uma existência formal. Depois das eleições, nunca se constituiu como movimento, associação ou partido, pelo que continuou a ser o que era antes: um grupo de cidadãos que se reuniam esporadicamente. Pedro Morais e Henrique Sanchez garantem que foram eleitos coordenadores num desses encontros, no fim de 2015. “Duas ou três pessoas querem fazer passar a ideia de que esta coligação foi decisão do PNPN, quando não foi”, afirma Morais, convencido de que “isto foi apenas uma tentativa de levar os votos do PNPN para o PS”.

Recentemente, após queixa de Henrique Sanchez, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) recomendou ao PS que não utilizasse o nome e o logótipo do PNPN nos materiais de campanha porque se tratava de um “um grupo de cidadãos concorrente na anterior eleição autárquica”.

José Moreno diz que não sabia desta decisão da CNE e assegura que tem legitimidade bastante para representar o grupo e assinar acordos em seu nome. “O PNPN criou-se em torno da minha candidatura. Fui eu que criei a denominação. A marca e o logótipo estão registados em meu nome. Quem está a usá-los, está a usar indevidamente, está a usurpar direitos que são de outros”, acusa. O autarca garante que isso “será resolvido em tribunal” e desvaloriza os comunicados e as críticas. “Estamos a falar de duas pessoas. Sabiam desde a primeira hora que a marca estava registada em meu nome. Não têm qualquer legitimidade.”

Henrique Sanchez nega. “Não há nenhum registo de marca, ponto final. O que existe é um registo de propriedade intelectual”, afirma, garantindo que mais ninguém do PNPN sabia disso e acrescentando que ainda não foi notificado de qualquer queixa criminal relativa ao tema. “Ele representa-se a ele mesmo”, diz. Na segunda-feira, garante, a página de Facebook e o e-mail do PNPN vão ser apagados definitivamente, pondo assim um ponto final ao grupo de cidadãos.

Mas o presidente da junta, quase a deixar de o ser, promete não dar-lhes descanso. “A história não está terminada.” 

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