Um bom estudo orçamental

O estudo Estratégias orçamentais 2017-2021: as opções de política merece ser lido com atenção.

Na semana passada, foi apresentado o estudo Estratégias orçamentais 2017-2021: as opções de política, elaborado, no âmbito do IPP, Institute of Public Policy, por quatro investigadores, entre os quais Paulo Trigo Pereira e Ricardo Cabral.

É um documento que merece ser lido com atenção, dada a sua qualidade, profundidade e seriedade. Aspectos que rareiam e, se mais não fosse, só por isso vale a pena dele beneficiar.

O estudo propõe uma alternativa (ou, por outras palavras, uma reformulação) do Programa de Estabilidade 2017-2021 apresentado pelo Governo em Abril passado. Aliás, os autores têm o cuidado de lhe chamar “Variante ao Programa de Estabilidade”.

Não vou maçar os leitores com a descrição dos métodos, pressupostos e conclusões do trabalho, que já foram razoavelmente tornados públicos. Nestas breves linhas gostaria, tão-só, de me referir a alguns pontos específicos.

O facto de o estudo ter sido concluído depois de Abril beneficiou naturalmente de previsões mais precisas quanto à evolução recente das principais variáveis macroeconómicas, bem como da maior visibilidade a prazo da política monetária do BCE. O ponto, para mim, mais incisivo do trabalho está na capacidade de nos dar uma outra visão sobretudo centrada no caminho e na velocidade para atingir objectivos e metas (nossas e europeias). É exactamente aí que finanças públicas e política se cruzam, sem que haja submissão plena de uma delas em relação à outra. Nem puro financismo insensível, nem politics errática, utópica ou demagógica. Nem o divórcio fantasioso entre meios e fins, nem a supremacia tecnocrática dos meios sobre os fins.

Assim sendo, apreciei o racional do estudo e comungo de algumas das suas ideias fundamentais. Por exemplo, a questão do sempre tão badalado, mas tão pouco bem definido, conceito de saldo orçamental estrutural, isto é, o saldo corrigido das variações cíclicas e de medidas temporárias. No plano estritamente teórico é um conceito mais correcto, mas a dificuldade em uniformizar os pressupostos do seu cálculo impõe a necessidade de alguma cautela. Os valores da “variante ao PE” parecem-me, além do mais, bem mais realistas e mais em linha com o que está previsto no famigerado Tratado Orçamental (-0,5% do PIB).

Sabendo-se que os futuros exercícios orçamentais estarão menos sujeitos a habilidades, quer do lado de receitas extraordinárias, quer em razão da forte acção tutelar (?) das instâncias europeias, torna-se mais exigível que as receitas fiscais e as despesas correntes devam ser razoável e prudentemente realistas. O exercício realizado é, neste contexto, defensável, embora me pareça conservador quanto ao quadro fiscal que importa calibrar e tornar mais amigo do investimento, do trabalho e do mérito e, fundamentalmente, da poupança.

Do lado da despesa, concordo com a ideia de “não fantasiar em decréscimo” o chamado consumo intermédio. Como bem nota o trabalho, cerca de 70% advém da saúde que, goste-se ou não, terá sempre presente o aumento do custo unitário dos diagnósticos e terapêuticas e o seu carácter predominantemente cumulativo.

Discordo, porém, da ideia do aumento maior da despesa de pessoal na Administração Pública (AP). Bem sei que é justificado com o descongelamento de carreiras e a manutenção do valor real retributivo, mas tal não deverá impedir uma sustentada contenção pelo efeito-volume. O Estado e seus satélites das AP têm pessoal a mais e... pessoal a menos. Ou seja, muito pessoal redundante em actividades menos qualificadas e carência acentuada em quadros técnicos e dirigentes, num contexto geral de descapitalização de qualificações e do recurso abusivo e pernicioso ao outsourcing técnico. Esta é uma reforma estrutural inadiável e incompatível com o “inchamento” administrativo e vicioso das AP.

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