A sós com Buika por um disco, por uma noite, por um sentimento

Buika fez um disco para que as pessoas guardem tempo para si, dedicando Para Mí a cada um de nós. E o concerto também é único: esta sexta-feira, no Coliseu de Lisboa.

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Concha Buika JAVI ROJO

Ano e meio após ter apresentado Vivir Sin Miedo nos coliseus do Porto e de Lisboa, Buika volta a Portugal para apresentar, num único concerto, um projecto singular: o EP Para Mí, cinco canções gravadas com o objectivo de dar, a quem as ouça, pretexto para um intervalo entre os afazeres do mundo. Esta sexta-feira, no Coliseu de Lisboa, às 21h30.

“Hoje em dia tudo consiste em partilhar e dar”, diz Buika ao PÚBLICO. “Partilhar os sentimentos, o dinheiro, a casa, o tempo, a cama. Raramente deixamos tempo para nós próprios, para estarmos sós, para pensarmos nos nossos sentimentos. De cada vez que o fazemos, sentimos que estamos a roubar tempo a algo ou a alguém. Fiz este disco para que, de cada vez que alguém o ouvir, esse alguém sinta que tem um tempo para si, só para si. Porque em seguida irá entregar-se ao trabalho, à família, ao amor, à realidade, às pessoas, a tudo. Mas antes pode dedicar-se a escutar tranquilamente esta música, a sós.”

Musicalmente, Para Mí é também um disco feliz. A voz de Buika mergulha de novo a fundo no flamenco (gravou, com o seu fogo, Ni contigo ni sin ti, de Manzanita; e Dios de la nada, de Camarón de la Isla), mas também se espraia ora numa balada (Para Mí, escrita por ela) ora na tarantela (Pizzica diTorchiarollo) e no reggae (Hijos de la luna). “Escolhi-as pelo sentimento, pela emoção, não penso muito acerca das canções, nunca soube fazer isso. Se pensasse muito nas canções que canto, provavelmente nunca as cantaria. Eu vivo a emoção do tema e vou conhecendo um pouco a história, porque muitas das canções do repertório estão ligadas a acontecimentos que também vivi.”

A bondade e o monstro

A canção-título do EP, Para mí, é, diz ela, “dedicada às pessoas que, sem que ninguém saiba porquê, nos esperam: os nossos pais, os nossos filhos, os nossos namorados, os nossos amigos. São pessoas que, quando partimos, estão sempre connosco”. Nascida em 1972, em Palma de Maiorca, filha de imigrantes da Guiné-Equatorial (que partiram para Espanha para escapar à ditadura de Nguema, mantida e continuada por Obiang), Concha Buika gravou até hoje sete discos: Buika (2005), Mi Niña Lola (2006), Niña de Fuego (2008), El Último Trago (2009), La Noche Más Larga (2013), Vivir Sin Miedo (2015) e o EP Para Mí (2017), que deverá antecipar o seu próximo longa-duração. Em 2015, foi editada ainda uma antologia sua, em CD duplo, intitulada En Mi Piel.

O que a levou a gravar, agora, uma tarantela, foi a lenda associada a esse género musical. “Há muitos anos, naquela região de Itália [a cidade de Taranto, na Apúlia], cultivava-se aloé vera, que atraía muito as aranhas, as tarântulas. Quando uma pessoa era picada por elas acreditava-se que a picadura era mortal e que só passava dançando. Então chamava-se um grupo de músicos que tocava, sem parar, o ritmo específico dali, e a pessoa mordida tinha de ficar a dançar, às vezes durante dias, até que o veneno saísse.” A história pareceu-lhe “tão bonita” que decidiu levá-la com ela, “à volta do mundo, para que a conheçam". "E também para que possam usar esta música para tirar de dentro todo o ódio, toda a raiva, isso seria muito bonito.” E esse “à volta do mundo” inclui em breve, depois de Portugal, México, Chile, Argentina, Uruguai e Espanha.

Quando fala de “ódio e raiva”, Buika remete para outro antídoto: a canção Hijos de la luna, que fecha o disco. “Por muito que tentem marcar-nos diferenças e causar-nos dano as pessoas que odeiam, nós, as pessoas que amamos, continuamos lutando por fazê-lo. Não importa quão grande seja o monstro, será sempre maior a bondade para destrui-lo. Não há que ter medo. Somos todos seres humanos, temos de entender-nos, de falar entre nós, não podemos falar com as rãs. É como a falsa oposição entre homens e mulheres, uma guerra aberta, machismo contra feminismo, feminismo contra machismo. Discordo de tudo isso. Estamos aqui, na Terra, para comunicarmos e para nos entendermos. Se nos separarmos do homem, não há um ser extraterrestre com o qual possamos ter filhos e constituir família. São nossos companheiros, amamos os homens. Eles também não gostam que as mulheres sofram, não devemos confundir machismo com homens. Machismo é machismo! Porque há gente má no mundo, homens e mulheres.”

“Podemos ser tudo!”

Daí para o estado actual do mundo vai um passo. “Podia estar melhor, mas não está tão mau como dizem. Sinto que às vezes os meios de comunicação, de que gosto muito (a televisão, a internet…), enviam ao mundo mensagens erradas. O que eu vejo, quando viajo pelo mundo, em particular na América Latina, é um montão de gente a trabalhar loucamente para pagar impostos, a luz, a água, a casa, a comida, a escola dos filhos, cada coisa que fazem. Pagar, pagar, pagar. As pessoas estão tão concentradas em ganhar dinheiro para poderem viver dignamente que não têm espaço para ódios. Não estive em nenhum país onde as pessoas se levantem de manhã a dizer: odeio os chineses, odeio os portugueses, odeio não sei quem. Todos nós ouvimos dizer, nos noticiários, que os russos e não sei quem se odeiam, que os árabes odeiam outros tantos, que se há guerra é porque há quem nos odeie a nós. Eu, por onde andei, não vi ninguém odiar ninguém.”

Esta noção de universalidade é a mesma que leva Buika a romper fronteiras musicais: “É muito divertido cantar quando não há barreiras rítmicas, nem de estilos. Gosto muito do risco. Não temos de ser de nenhum grupo, de direitas ou de esquerdas, não temos de ser do rock’n’roll, do jazz ou do blues. Podemos ser tudo! Tudo o que nos dá prazer!”

No Coliseu, Buika (voz) será acompanhada por um quarteto: Ramón Escobar (voz, percussões), Santiago Canada Valverde (trombone), Josue Rodriguez Fernandez (baixo) e Ricardo Moreno Montiel (guitarra).

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