Contra os "factos alternativos", informar, informar

É importante que todos saibam que os profissionais de saúde não temem doentes bem informados.

O último ano tornou evidente o perigo das notícias falsas que são disseminadas de forma rápida e fácil através da Internet, enganando mesmo aqueles que cuidam da credibilidade das suas fontes de informação. Ainda há uns dias, Mário Amorim Lopes escrevia no Observador sobre uma manifestação de muçulmanos que diziam ter acontecido em Agosto de 2017 para depois afirmarem que teria sido em Dezembro de 2016. Na verdade, não se sabe sequer se aconteceu nos termos que fundamentam o texto, dada a inexistência de confirmação por parte de qualquer fonte credível e independente. As notícias falsas têm um propósito: criar percepções erradas que maximizam os medos irracionais das pessoas e as levam a alterar os seus comportamentos em determinado sentido de forma livre, consciente e voluntária.

A democratização e a massificação da Internet, como todos os processos idênticos, têm mais vantagens do que desvantagens mas há perigos que não podemos nem devemos ignorar. Se as notícias falsas ("factos alternativos" na novilíngua que as pretende branquear) chegaram agora à política, a verdade é que existem desde há muitos anos em todas as áreas da saúde. Todos se recordam das mortes evitáveis de pessoas que não administraram vacinas de eficácia e segurança incontestadas. Do mesmo modo, não é invulgar encontrarmos na prática clínica pacientes que perguntam sobre tratamentos ineficazes, alguns mesmo inverosímeis, que são apresentados em páginas de Internet que aparentam credibilidade mas não têm qualquer evidência nem fundamento científico.

Depois de tantos anos a clamar contra a iliteracia em saúde, não devemos lamentar que os doentes procurem informação onde ela está disponível nem hostilizar aqueles que, por desconhecimento ou desespero, caem no perigoso engodo que lhes é vendido em algumas páginas online. O caminho faz-se precisamente em sentido contrário. Tal como para combater os sites de notícias falsas passei a assinar os jornais que considero credíveis e assim financiar o seu trabalho, também na área da saúde devemos encarar o problema pelo lado da correcção. Às páginas falsas que se multiplicam devemos contrapor páginas credíveis que sejam informativas numa linguagem que as pessoas que não são especialistas possam entender.

É muito importante ajudar os cidadãos a identificar as fontes confiáveis e a interpretar algumas notícias que, por vezes, são difundidas em órgãos de comunicação social credíveis. Este trabalho começa na Educação Básica e deve prosseguir através de iniciativas dirigidas à população não escolar. Às falsas promessas de cura dos charlatães da vida eterna devemos contrapor com a honestidade de uma medicina clínica que salva muitas vidas e poupa muitas doenças mas não garante, porque não pode garantir, nem milagres nem eternidades. Às crenças dos doentes em práticas (apresentadas como terapêuticas) que fazem as pessoas sentir-se bem mas não resolvem doença alguma, devemos contrapor com o fortalecimento da relação clínica e terapêutica através de uma prática que promove a medicina baseada no conhecimento científico e que não faz julgamentos acerca das crenças das pessoas.

É importante que todos saibam que os profissionais de saúde não temem doentes bem informados e que se sentem suficientemente confortáveis para questionar as opções dos médicos. Pelo contrário, encaram-nos como parceiros responsáveis no desafio que é melhorar a sua situação clínica. Às notícias falsas devemos contrapor mais e melhor informação assente em factos verdadeiros. Às declarações cientificamente falsas ou deontologicamente questionáveis devemos responder com o rápido e cabal esclarecimento das populações. Às práticas que colocam em perigo a vida dos doentes devemos responder com eficazes e justos mecanismos de regulação profissional e judicial. Proibir o acesso à informação nunca é o caminho. (In)formar mais e melhor é a solução. E essa é uma função inalienável do Estado.

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