Estão a nascer menos cinco bebés por dia este ano

Dados dos testes do pezinho, feitos no âmbito do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, mostram quebra de nascimentos. O que acontece pela primeira vez desde 2014.

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O Programa Nacional de Diagnóstico Precoce é coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge ENRIC VIVES-RUBIO

Este ano estão a nascer menos bebés em Portugal, um decréscimo que contraria o aumento da natalidade que se verificava desde 2015. Entre Janeiro e Agosto, houve menos 1216 recém-nascidos rastreados do que em igual período de 2016. São, em média, menos cinco bebés por dia, indicam os últimos dados do teste do pezinho, os exames de rastreio feitos aos recém-nascidos e que são um indicador fiável da natalidade em Portugal.

Em 2015, e após quatro anos sucessivos de quebras significativas da natalidade que alarmaram os políticos e os especialistas e os puseram a discutir o problema, nasceram mais cerca de três mil crianças do que em 2014 (um total de 85.500 bebés). No ano passado, o número voltou a aumentar para um total de 87.126.

Este ano, porém, os dados do teste do pezinho a que o PÚBLICO teve acesso — os recém-nascidos são estudados logo nos primeiros dias de vida, no âmbito do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce que é coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) através da Unidade de Rastreio Neonatal do Departamento de Genética — apontam novamente para um decréscimo do número de recém-nascidos, pela primeira vez desde 2014.

O que os dados do Insa permitem igualmente descortinar é que o processo de desertificação do interior prossegue: há distritos onde nasceram menos de mil crianças em 2016, como Bragança, Portalegre e Guarda, e outros em que os nascimentos se ficam por pouco mais de mil por ano, nomeadamente Vila Real, Castelo Branco e Beja. Em Bragança, Portalegre e Guarda, foram feitos testes do pezinho este ano a pouco mais de meia centena de crianças por mês.

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Apesar de pedir cautela, porque as tendências não se medem em meses ou mesmo em poucos anos, a demógrafa e directora da Pordata (base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos) Maria João Valente Rosa admite não estar muito surpreendida com os números dos primeiros oito meses de 2017.

Quando em 2015 e 2016 muitos se apressaram a retirar ilações do aumento de natalidade, em termos de tendências, a directora da Pordata apressou-se a avisar que era prematuro fazê-lo. “Fui muito prudente. Disse que [os aumentos] poderiam corresponder a nascimentos que foram adiados no período em que a crise se agudizou e em que se observou uma descida muito significativa. O que aconteceu foi, porventura, uma recuperação desta queda muito abrupta, um efeito diferido”, reflecte a demógrafa.

A natalidade desceu, de facto, de forma acentuada nesses anos. Para se ter uma ideia da dimensão da quebra, como chegou a contabilizar na altura a presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Maria Filomena Mendes, “só entre 2010 e 2013" Portugal perdeu "18% dos nascimentos”. 

Sem querer agora também estar a retirar grandes ilações de dados provisórios e relativos a um período tão curto, Maria João Valente Rosa acredita que o que pode está a acontecer este ano é a entrada numa “nova fase”, porque as crianças cujos nascimentos foram adiados “já nasceram”.

Em causa, estarão aqui vários factores mas “devemos aproveitar para irmos para além da questão da segurança financeira que o projecto de ter um filho implica”, propõe. Até porque, alerta, “não será com medidas superficiais e mágicas, que enchem o olho, que vamos inverter esta tendência”.

Tal como acontece noutros países europeus, as mulheres portuguesas têm o primeiro filho cada vez mais tarde (aos 30,3 anos, em média, em 2016), só que, ao contrário do que sucede, por exemplo, no Norte da Europa, em Portugal muitas vezes as mulheres ficam-se pelo primeiro filho. Isto não seria necessariamente um problema se o desejo dos casais não fosse o de ter mais do que um filho, nota a especialista.

Em Portugal, o problema é passar-se do primeiro para o segundo filho, devido a uma série de “condições adversas que têm sido pouco abordadas entre nós, desde logo o apoio à primeira infância”, enfatiza Maria João Valente Rosa. Outro problema destacado pela demógrafa é o da “forte desigualdade entre pais e mães”.

Lamentando que em Portugal o debate “se centre quase sempre em medidas do tipo oferecer isto ou aquilo” — “um filho não equivale a x euros, é um projecto emocional” —, a demógrafa diz que quando se fala de natalidade se deve falar de imigração, porque os imigrantes contribuem muito para o aumento da natalidade. E lembra que a emigração dos últimos anos foi igualmente penalizadora a este nível: “Saiu muita gente em idades férteis.”

Por isso é que Portugal continua na causa da União Europeia no índice sintético de fecundidade (filhos por mulher em idade fértil), que era de 1,3 em 2015, o mais baixo da União. Subiu para 1,36, no ano passado.

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