Que ganhamos em ignorar Macron?

Haverá aqui propostas boas, más, excelentes e péssimas. Ideias vagas ou impossíveis de concretizar. O que não pode haver é pretextos para ignorar que estas propostas estão agora em cima da mesa e que devem ser discutidas, apoiadas umas, combatidas outras.

Emmanuel Macron foi ontem à Sorbonne precisar as suas propostas para a União Europeia. Em vez de sugerir a criação de uma universidade franco-alemã, como fez Hollande no passado, propôs a criação de universidades europeias em todo o continente através de redes de universidades nacionais voluntárias. Como meta numérica, estabeleceu o objetivo de que existissem pelo menos 20 dessas universidades até 2024.

Que Macron é mais ambicioso do que Hollande, já sabíamos. Mas o mais relevante não é o tamanho da sua ambição, é o público a quem se dirige: não o governo da Alemanha, mas o de todos os países voluntários, entre os quais citou deliberadamente Portugal e a Espanha em conjunto com os países fundadores do projeto europeu.

A questão é: mas alguém ouve Macron? Não no sentido genérico — é claro que sim, que se sabe que ele fez um discurso e que falou sobre Europa — mas no sentido prático de ter escutado o discurso e tomado nota do conteúdo. Tenho impressão de que, na maioria dos casos, a resposta é “não”. Este discurso de Macron já está pré-escutado, pré-interpretado e pré-sentenciado muito antes de ser feito, e bastará aplicar no final a grelha de leitura preferida: nada disto é para levar a sério, “os alemães não deixam”, “as pessoas não ligam à Europa”, etc.

Sendo assim, quem saberá que ontem passaram a ser propostas oficiais da França as ideias que passo a listar? Criação de um imposto sobre o carbono emitido na UE e de uma taxa sobre o carbono nas importações para financiar a transição ecológica; apoio à taxa sobre as transações financeiras para capitalizar a ajuda ao desenvolvimento e as políticas de integração de refugiados; criação de uma força europeia de proteção civil contra as catástrofes naturais; aprovação de uma doutrina europeia de defesa; harmonização dos impostos sobre os lucros das empresas; estabelecimento de regras para um salário mínimo europeu, adaptado à realidade nacional; criar uma agência europeia do digital e tributação dos gigantes da internet; eleições europeias com um segundo boletim de voto para listas pan-europeias de candidatos (no lugar dos 73 eurodeputados britânicos que saem). E poderíamos continuar.

Haverá aqui propostas boas, más, excelentes e péssimas. Ideias vagas ou impossíveis de concretizar. O que não pode haver é pretextos para ignorar que estas propostas estão agora em cima da mesa e que devem ser discutidas, apoiadas umas, combatidas outras.

O nosso problema está num certo excesso de complacência com o pessimismo e o imobilismo que nos ficou dos anos de crise por que passámos. Habituámos-nos a não ver os governos avançar. Se eles avançarem agora, temo que os cidadãos fiquem para trás. Uma forma de evitar esse triste fim passaria pela criação de comités democráticos que em cada país promovessem debates e recolhessem os contributos dos cidadãos a contrapor ao debate das cimeiras e dos governos. É uma proposta a que conto voltar em breve.

Post-scriptum: Agostinho Lopes, membro do Comité Central do PCP, começa bem um texto seu publicado ontem em que me acusa de “truques” por ter considerado negligente a forma como o tratado UE-Canadá “CETA” foi debatido, poucochinho e às pressas, na Assembleia da República. O meu texto chamava-se “Uma CETA no coração da democracia”; Agostinho Lopes começa o seu dizendo que eu tenho “o CETA no coração”, ou seja, invertendo completamente o sentido do que escrevi para induzir os leitores em erro sobre qual seria a minha posição. Mas deixemos estes truques para quem se queixa de truques dos outros. O argumento de Agostinho Lopes é que o PCP fez muitíssimo contra o CETA na AR mas que ninguém liga. A pergunta que se impõe é: por que foi então o CETA muito mais profundamente debatido antes no Parlamento Europeu e até num parlamento regional como o da Valónia (onde não há PCP) foi levado a tribunal nacional e europeu, ao passo que em Portugal o tratado foi debatido e aprovado em dois pedaços de dia na véspera de entrar em vigor? O PCP não faz afinal, como os também responsáveis neste caso BE e PS, parte da maioria parlamentar e de governação? É pena só se registar a queixa do distinto membro do Comité Central quando um simples cidadão acha isto pouco.

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