Maioria das ciclovias de Lisboa precisa de obras

Num relatório pedido pelo CDS, a câmara identificou todos os problemas da rede de ciclovias. A autarquia diz que está a trabalhar nas reparações há muito tempo, os centristas criticam a falta de manutenção.

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O uso do vermelho nos primeiros troços (os novos são verdes) é criticado JOANA FREITAS

Para quem anda de bicicleta em Lisboa não é propriamente uma novidade, mas a câmara assume-o agora abertamente: a maioria das ciclovias da cidade precisa de obras. Em alguns casos é o traçado que não faz sentido, noutros há inclinações demasiado acentuadas, noutros ainda há interrupções abruptas, em muitos falta já pavimento e sinalização.

São 36 os troços de ciclovia a precisar de intervenção, o que perfaz o total de 55 quilómetros numa rede que tem cerca de 70. Num relatório elaborado a meio de Julho a pedido do CDS, o gabinete do vereador José Sá Fernandes fez uma compilação exaustiva dos problemas e definiu uma lista de trabalhos necessários – alguns deles já estão a ser feitos, garantiu o vereador da Estrutura Verde ao PÚBLICO.

Logo no princípio, lê-se que este relatório “espelha bem a necessidade premente de um documento normativo de carácter nacional, antes que mais erros se adensem, [pois] muitos dos que já existem estão na origem de alguns acidentes rodoviários verificados.” Umas linhas mais à frente assume-se que “é preciso dar o salto na qualidade da infra-estrutura, para que a mesma se torne confortável e atractiva”.

Segue-se depois uma descrição pormenorizada do estado actual das ciclovias, que não esconde as debilidades da rede. “Em termos de percursos, constata-se que estes são, em alguns casos, muito ziguezagueantes, nem sempre indo ao encontro das necessidades dos utilizadores diários da bicicleta”, diz o relatório na página 9. Na seguinte, lê-se que em certos percursos “existem inclinações muito acentuadas, acima dos 10%.” Ainda na análise aos traçados, admite-se que “de uma forma muito recorrente” há “’curvas’ em ângulo recto”, “sem se observarem as características mínimas de viragem para veículos de duas rodas”.

De seguida, conclui-se que “todas as pistas para velocípedes analisadas apresentam estados muito avançados de degradação ao nível da cor aplicada sobre o pavimento”. E que a escolha da cor vermelha para os primeiros troços (os novos são pintados a verde) é uma prática desaconselhada pelos “documentos de referência internacionais e recomendações da União Europeia”. Sobretudo “pelos elevados custos que envolve na fase de construção” e “pela falta de simplicidade na fase de manutenção”. Ainda assim, Lisboa não é caso único, pois o vermelho é a cor escolhida pela “maioria dos concelhos portugueses e cidades europeias”.

Há depois uma alínea específica de análise às ciclovias instaladas sobre os passeios, que “tendem a gerar situações de insegurança, quer para peões quer para utilizadores de bicicleta”. Isto porque, frequentemente, os peões preferem andar nas ciclovias e não nos passeios propriamente ditos. Resultado? “O respeito pela pista para velocípedes por parte do peão é muito residual.”

No extenso relatório é abordada ainda a situação dos pavimentos – alguns deles “irrecuperáveis” – e da sinalização – que é “de uma grande heterogeneidade” e por vezes contraditória.

Por fim analisam-se as questões de segurança. “O facto de a largura das vias ser de apenas 2,20 metros coloca problemas no cruzamento de duas bicicletas que circulem em sentidos opostos”, lê-se na página 22, onde também está escrito que “a referência internacional recomenda um valor mínimo de 2,5 metros”. Há perigos também para os peões. As ciclovias estão “na maioria das vezes junto a muros e edifícios, o que colide directamente com as necessidades de cegos e pessoas portadoras de determinado tipo de ambliopia, mas também pessoas idosas”.

A parte final do relatório contém diversas propostas de correcção dos problemas identificados anteriormente. Um dos subcapítulos é relativo às pontes. Aí está escrito que a ponte laranja sobre a Segunda Circular, reconhecida internacionalmente, tem inclinações entre os 4% e os 11% -- o que certamente ajuda a explicar que ela seja pouco frequentada por ciclistas.

CDS critica, câmara diz que já está a trabalhar nas reparações

Há já várias semanas que o PÚBLICO vem tentando obter esclarecimentos da autarquia, mas só esta segunda-feira conseguiu falar com o vereador José Sá Fernandes, que assina o relatório entregue ao CDS em Julho. “Há dois anos e meio que estamos a trabalhar nestas operações de reparação”, começa por explicar o responsável pela Estrutura Verde da cidade. “Como estamos a expandir a rede, convinha perceber como fazê-lo correctamente”, diz Sá Fernandes, argumentando que “a meio do processo” de criação de ciclovias “mudaram as regras do Código da Estrada” relativas a esta matéria.

O vereador afirma que “já estão a ser feitas várias obras” – o que, aliás, é visível em alguns locais – e que não foi a insistência do CDS a pedir o relatório que desencadeou os trabalhos. “O levantamento estava feito, estávamos a trabalhar sobre ele há bastante tempo. A coisa está programada e está a correr bem”.

Já João Gonçalves Pereira, vereador do CDS, reclama para si o mérito de ter posto este assunto na lista de preocupações da câmara. “Fazem-se obras, fazem-se inaugurações, mas depois não há manutenção”, critica o centrista, assinalando que “há uma rede de ciclovias em que os utilizadores estão em perigo”. E acrescenta: “Se eu fosse vereador desta área, sentir-me-ia envergonhado.”

Quanto às obras a decorrer, rotula-as como um esforço pré-eleitoral. “A manutenção das infra-estruturas da cidade não se pode compadecer com calendários eleitorais”, conclui Gonçalves Pereira. Sá Fernandes desvaloriza e aproveita para anunciar que os próximos trabalhos são na ciclovia da Avenida do Brasil.

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