Nova supervisão financeira: pontos controversos

As propostas merecem avaliação positiva e são de saudar, mesmo tendo que se aguardar pelas iniciativas legislativas para uma apreciação mais detalhada.

Não obstante a prioridade da questão ainda pendente dos non-performing loans dos bancos, estão de parabéns o Ministro das Finanças e o grupo de trabalho coordenado por Carlos Tavares pelo relatório sobre a supervisão do sistema financeiro [1]. As propostas merecem avaliação positiva e são de saudar, mesmo tendo que se aguardar pelas iniciativas legislativas para uma apreciação mais detalhada.

Todavia, estabilizados os aspetos consensuais, foquemo-nos nos pontos controversos. Identifico alguns exemplos: (i) opção pelo modelo tripartido; (ii) responsabilidades do novo Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira (CSEF); (iii) modelo do Conselho Superior de Política Financeira (CSPF); (iv) tratamento dos conglomerados, fintechs e sistema bancário paralelo; e (v) análise custo-benefício.

1. O relatório assume que “a proposta contempla uma versão minimalista” assente na manutenção das três autoridades atuais para a banca, seguros e fundos de pensões, e mercado de capitais, não afastando “a possibilidade de uma evolução posterior para uma reforma mais profunda – incluindo a evolução para um modelo de supervisão dualista” (cenário alternativo), recomendando mesmo essa ponderação “decorridos pelo menos três anos”. Trata-se de uma discussão e diagnóstico antigos. Quem lidou com a crise iniciada há 10 anos conhece bem a necessidade simplificar a articulação entre autoridades e o processo de decisão, e eliminar conflitos de interesse. Por isso mesmo, nas propostas que me coube apresentar em 2009 [2], optava-se por uma solução mais ambiciosa assente num modelo dualista (uma autoridade para a supervisão prudencial; outra para a comportamental), mais ajustado ao funcionamento conglomerado das instituições financeiras, bem como à redução de dimensão do sistema financeiro, que exige uma supervisão mais eficiente, porventura a reclamar um supervisor único, autónomo do Banco de Portugal (BdP).

Pela sua maior complexidade e exigência, é uma reforma que requer apoio parlamentar maioritário, pelo que é essencial — como seria no passado — dispor de consensos políticos para a sua aprovação.

Felizmente, não existe aqui qualquer condicionamento europeu, pois a UE não impede nem impõe soluções institucionais. E nem deve ser invocado o estatuto de independência do banco central decorrente da participação do BdP no sistema europeu de bancos centrais, pois esse permanece intocado. Coisa diferente é o estatuto do BdP enquanto autoridade de supervisão. Este é bem distinto e está sujeito aos poderes de definição estatutária que cabem ao Estado português.

2. O segundo ponto respeita às responsabilidades do CSEF: a nova autoridade nacional de resolução bancária. Se esta ideia é pacífica, ganha controvérsia, mesmo para quem tem uma visão crítica da forma como o BdP serviu a República nos últimos anos, a ideia de considerar o CSEF também uma autoridade de supervisão macroprudencial, determinando aqui — ao contrário do ponto anterior — uma retirada contraditória de responsabilidades ao BdP, ao mesmo tempo que se lhe reconhece “o papel primordial que […] deve ter neste domínio”.

Mas ganha controvérsia também, a criação dentro do CSEF, por ser estranho ao seu núcleo de responsabilidades, de um comité de supervisão comportamental coordenado pela CMVM. E ganha controvérsia, por fim, a ideia de criação de uma nova entidade público-privada ligada ao CSEF para “credenciar” os colaboradores das instituições, desresponsabilizando assim as atuais autoridades de funções que lhes são mais próximas. Merecem estas três ideias especial atenção pois vão ampliar os problemas de articulação que visam resolver.

3. O terceiro ponto refere-se à criação de um CSPF junto do CSEF, presidido pelo Ministro das Finanças, por ser responsabilidade deste não apenas a estabilidade das finanças públicas, mas também do sistema financeiro. Mesmo não sendo clara a sua natureza decisória ou consultiva, nem as suas competências, não pode o CSPF funcionar junto do CSEF, pois não pode o ministro presidir a um conselho que funciona dentro de uma entidade que ele próprio não comanda. Deve antes funcionar fora e acima do CSEF, sem risco de captura pelos reguladores.

4. O quarto ponto respeita às questões atuais e futuras da supervisão dos conglomeradores financeiros, do sistema bancário paralelo e da atuação crescente das fintechs. Sendo questões não tratadas, seria desejável clarificá-las, pelos riscos que geram.

5. Por fim, a análise custo-benefício. O sistema financeiro encolheu significativamente no pós-crise e durante a troika (redução do ativo total de bancos e seguradoras — com exceção dos fundos de pensões — e do volume da atividade de intermediação financeira e ativos sob gestão, nos vários segmentos). Mas o mesmo não foi visível nas autoridades supervisoras, com exceção da área de seguros e pensões. Uma análise aos orçamentos e evolução dos quadros de pessoal destas entidades ilustrarão este ponto e o potencial de otimização alcançável. É também por isso que é essencial medir o custo-benefício da reforma proposta, otimizando as estruturas atuais, melhorando a sua eficiência, e reduzindo os seus custos que, em última instância, passarão aos consumidores e empresas.

[1] http://www.gpeari.min-financas.pt/consulta-publica/
[2] http://www.gpeari.min-financas.pt/arquivo-interno-de-ficheiros/Consulta-publica-reforma-da-supervisao-em-Portugal.pdf

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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