Autarquias e valorização da terra

Pode até ser impossível travar o desaparecimento de alguns lugares, mas talvez seja possível que neles se produza mais riqueza.

Com a litoralização do país e a falta de gente no interior a terra ficou cada vez mais nas mãos de herdeiros que, nas cidades portuguesas, francesas, suíças, alemãs ou brasileiras, talvez mantenham com ela uma vaga relação afetiva, mas não têm meios, nem conhecimento técnico, nem vontade, para correr os riscos de investir. Entretanto, a terra desvaloriza e vai sendo regularmente devastada pelos fogos. Não tem que ser assim. Muitos terrenos deveriam dar mais rendimento, mesmo que já seja impossível travar o desaparecimento de muitos lugares. Poderiam certamente ser geridos com maior rendimento financeiro, maior diversidade ecológica e maior resistência a incêndios do que aquilo que se tem visto. O que se deve fazer depende de condições e oportunidades locais.

No entanto, é de admitir que, em muitas áreas, como as mais desertificadas ou as mais destruídas pelos fogos, com a propriedade mais retalhada, se podiam ter melhores resultados com a gestão integrada de áreas agrícolas mais vastas. Por exemplo, com a utilização dos terrenos consoante as suas aptidões, com a diversificação da floresta e da criação de gado. Para que isto se verifique seria necessário coordenar, em cada freguesia, ou em cada conjunto de lugares, os interesses de dezenas ou de centenas de proprietários, muito pouco habituados a cooperar entre si (é feitio, já os pais e os avós eram assim) — e que agora, em bom número de casos, só se encontram nas férias. Não é tarefa fácil, mas em período de eleições autárquicas talvez se possam debater algumas ideias.

Uma forma de valorizar muitas terras seria promover a formação de sociedades de exploração agrícola e florestal, com gestão profissional, em que os atuais proprietários seriam acionistas, participando pelo menos com o valor dos seus terrenos, determinado de forma independente. Entradas em dinheiro para a realização de investimentos imediatos poderiam ser conseguidas através da participação de fundos de investimento, da banca ou de acionistas individuais. As autarquias locais teriam um papel fundamental, coordenando e, se necessário, representando os interesses dos proprietários, ou ainda como acionistas. Uma sociedade deste tipo, orientada para o lucro, e sujeita a regulação e fiscalização adequada, designadamente em matéria de governo das sociedades e em matéria ambiental, poderia certamente distribuir aos proprietários atuais dividendos superiores aos rendimentos que estes, ou os seus herdeiros, vão conseguir ao longo das suas vidas prosseguindo individualmente com as suas terras como até agora. Eventualmente, as sociedades podiam ser cotadas em bolsa, melhorando a liquidez dos proprietários atuais e podendo atrair novos investidores. Os ganhos ambientais e na prevenção e combate a incêndios seriam também muito importantes.

Para quem preferisse uma abordagem menos “capitalista” poderia admitir-se uma organização diferente. Por exemplo, constituir uma empresa municipal financiada em grande parte através de obrigações municipais, utilizadas para pagar a terra aos seus proprietários, que ficariam com direito a uma dada remuneração anual — que podia até ser perpétua. Com regras adequadas de governação, a empresa teria que investir adequadamente para pagar essa remuneração aos que seriam os antigos proprietários. Também aqui a cotação das obrigações em bolsa poderia garantir a liquidez que alguns proprietários desejassem ter. De novo, um papel essencial na aglutinação de vontades pertenceria às autarquias locais.

O arrendamento de longo prazo poderia ser outra alternativa. Os problemas de coordenação dos interesses em presença seriam maiores, mas talvez fossem resolvíveis. Cooperativas ou associações de produtores também podem vir a ser uma abordagem interessante, para alguns.

Em qualquer caso, o papel das autarquias é muito importante na catalisação e na coordenação de vontades. Não é fácil, mas se nada se fizer as consequências que agora se podem prever não são boas. Muitos terrenos vão desvalorizar, não há criação de riqueza, as localidades e o país ficam mais pobres. E se com o tempo a propriedade vier a ser concentrada através de empresas e pessoas que venham de fora, com compra para exploração ou para recreio, os atuais proprietários, ou os seus herdeiros, irão vender-lhes terrenos certamente desvalorizados face ao que poderiam conseguir com modos de exploração diferentes dos que têm predominado.

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