Uma ponte entre o Porto e a América do Sul para agitar a consciência colectiva

O espectáculo Días Hábiles, que se estreia esta quarta-feira no Mosteiro de São Bento da Vitória, parte de uma viagem que Alfredo Martins e Rui Santos fizeram ao continente sul-americano.

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Em última instância, o que se pretende é que Días Hábiles seja um ponto de encontro. Adriano Miranda
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Días Hábiles Adriano Miranda
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Días Hábiles Adriano Miranda

Foi em Março de 2015 que Alfredo Martins e Rui Santos se fizeram à estrada sem grandes planos mas com um objectivo bem vincado – mergulhar numa realidade completamente diferente e apurar o olhar crítico sobre si próprios através do diálogo com o outro. O encenador e o arquitecto muniram-se de câmaras e de blocos de notas e ao longo de seis meses de viagem foram documentando os lugares por onde passaram e as gentes com quem se cruzaram. “A ideia do espectáculo ainda não existia concretamente, havia só uma intuição de que a partir daquela viagem poderia ser construída alguma coisa”, conta Alfredo Martins. Dias Hábiles, a primeira estreia da nova temporada do Teatro Nacional São João (TNSJ), é assumida a meias pelo encenador e director artístico do Teatro Meia Volta e pelo arquitecto Rui Santos, estando em cena entre esta quarta-feira e sábado no Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto.

A travessia pela América Latina ganhou forma no momento em que os percursos profissionais de Alfredo Martins e Rui Santos convergiram. O encenador encontrava-se em digressão pelo Brasil e o arquitecto havia programado o seu projecto de investigação de doutoramento – focado no estudo de casos de auto-gestão ligados à habitação – para a América do Sul. Então, puseram a mochila às costas e percorreram países como Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Equador, cruzando fronteiras em viagens de autocarro e de barco que demoravam entre 20 a 30 horas. Mas o que encontraram estava longe de ser aquilo que imaginavam. “Qualquer exotismo que as pessoas tenham na cabeça desaparece de imediato. A realidade é absolutamente diferente de qualquer fotografia ou expectativa que se tenha”, nota Rui Santos.

Uma disparidade que tanto se reflecte "na beleza e na escala da natureza, na alegria das pessoas no meio do horror e nas outras realidades sociais, políticas e económicas difíceis que enfrentam”, acrescenta Alfredo Martins, que assume ainda o protagonismo da peça. Días Hábiles acaba por ser um grito de alerta contra a indiferença perante aquilo que é diferente e um convite ao contacto entre dois continentes separados por muito mais do que um oceano. O claustro do Mosteiro de São Bento da Vitória faz lembrar um ringue onde ecoa em crescendo a luta destes povos contra a desigualdade económica e social.

Um encontro é um confronto

O espectáculo já decorre quando o público entra na sala, mas este é incentivado a circular pela estrutura que ocupa o claustro e a participar num confronto de ideias e pensamentos que possam encurtar a distância de milhares de quilómetros entre Portugal e a América do Sul. Há um momento feito de ruídos guturais que parece aludir aos povos indígenas e que logo se dissolve num discurso desconexo que vagueia entre o poético e o político e que lança ao ar conceitos do nosso tempo como “corrupção sistémica”, “turistificação”, “militarização” e “violência racial”.

“Qualquer encontro que seja um verdadeiro encontro entre partes diferentes é um confronto”, afirma Rui Santos, reiterando que o objectivo do espectáculo é “conseguir olhar para a divergência e a partir da divergência conseguir encontrar zonas de contacto e propor experiências que permitam essas zonas de contacto”. O criador reitera, no entanto, que embora a participação do público seja encorajada, este também “pode optar por estar no espectáculo de forma mais resguardada”.

Em última instância, o que se pretende é que Días Hábiles seja um ponto de encontro. E, de acordo com Alfredo Martins, “o teatro não pode sequer ser outra coisa”. “O teatro é político, não consegue escapar a essa condição, porque não consegue escapar ao seu carácter de encontro e de reunião”, assinala o encenador.

É da bagagem de experiências dos dois criadores que se ergue a Ocupação Días Hábiles, programa que estreará ainda no último dia, sábado, o filme Manuel Congo. O espectador é convidado a conhecer o projecto do mesmo nome, um exemplo de auto-gestão e direito à cidade nas traseiras da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. A ocupação Manuel Congo é um edifício público cujo projecto foi viabilizado pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia e que acolhe actualmente mais de cem famílias brasileiras. 

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