“O museu está aí para dar visibilidade à nação urbana”

Será um dos poucos museus de arte urbana do mundo: o Museu de Arte Urbana e Contemporânea de Cascais (MARCC), resultado de uma parceria entre o artista Alexandre Farto (Vhils) e o município, será inaugurado até à Primavera.

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Alexandre Farto diz que nem só de exposições viverá o museu. Haverá programas de noites abertas, três vezes por ano, a outras manifestações artísticas jmf jose maria ferreira
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Há duas semanas, em Berlim, abriu as suas portas o Urban Nation, a primeira instituição museológica construída inteiramente a pensar na arte urbana. Do seu acervo fazem parte três peças de Alexandre Farto, ou seja Vhils, bem como de outros conhecidos artistas que tanto operam no espaço público como no circuito expositivo: Shepard Fairey, Banksy, JR ou Blek le Rat. Esta quarta-feira ficou a saber-se que até à Primavera de 2018, em Portugal, abrirá o Museu de Arte Urbana e Contemporânea de Cascais (MARCC), que em termos de filosofia terá pontos de contacto com aquela instituição.

“Foi há cerca de um ano que tudo começou, quando a Câmara de Cascais, através do Bairro dos Museus, me convidou para pensar num projecto museológico”, conta-nos Alexandre Farto, elemento crucial do empreendimento, visto que o projecto resulta de uma parceria entre o município e o artista, financiada a partir de fontes públicas e privadas, com um orçamento anual de 200 mil euros da Fundação Dom Luiz, e firmada num protocolo a quatro anos. “É uma oportunidade para mim, mas essencialmente para o movimento de arte urbana, que de uma forma global teve até agora pouco espaço no campo institucional, onde é importante que haja abertura, discussão e pensamento em torno da arte em espaço urbano, seja ela graffiti, mural ou criada por artistas contemporâneos, do Alexandre Estrela ao Francisco Vidal ou ao RAM.”

Em Cascais irá portanto situar-se um dos poucos museus do mundo dedicados à apreciação de uma arte multidisciplinar, que tem registado crescente presença no mundo. “Coligir, preservar, expor e fomentar o entendimento do movimento da arte, num contexto institucional, e ao mesmo tempo revelar antigas e novas gerações de artistas que se inspiram na cidade: é esta em linhas gerais a filosofia”, sublinha ele. “O museu está aí para dar visibilidade à nação urbana.”

Uma perspectiva histórica

O espaço, 1700 metros quadrados, liga a Cidadela de Cascais à marina, ficando por baixo da praça em betão branco, com ligação directa ao parque de estacionamento. Ali já aconteceram antes acontecimentos de moda ou de música, mas era um espaço sem funcionalidade óbvia. Agora servirá para expor a colecção privada de Alexandre Farto e para receber em cada ano quatro exposições temporárias individuais ou colectivas (logo nas primeiras estarão em foco Vhils e o argentino Filipe Pantone, mas também haverá uma mostra histórica).

A exposição permanente será construída a partir da colecção pessoal de Alexandre: "São cerca de 300 obras que fui adquirindo ou trocando, de Banksy a Shepard Fairey ou JR, passando por artistas portugueses, numa selecção que não se limita à arte urbana." Mas também integrarão o acervo obras adquiridas e comissionadas pelo artista e pela câmara. “A ideia é ter uma colecção abrangente, que seja capaz de reflectir diferentes panoramas, seja em termos temporais como de identidades artísticas”, assegura. “Há um trabalho de investigação profundo que tem de ser feito”, afirma, quando pensa na história da arte em contexto urbano, e por isso mesmo “para uma das primeiras exposições, a partir do acervo, está previsto convidar um curador que tenha perspectiva histórica desde os anos 70 e 80.”

A instauração do museu acontece, na opinião de Alexandre Farto, numa altura em que “se nota uma grande maturidade na reflexão sobre o espaço urbano e as práticas que existem nele”. Também por isso nem só de exposições viverá o museu. Palestras, conferências, workshops, cursos, projecções e programas de noites abertas, três vezes por ano, a outras manifestações artísticas como a música ou a performance estão também previstos.

“Queremos que seja um espaço vivo onde se possa interrogar a arte, a intervenção no espaço público, as dinâmicas urbanas e a forma como a própria ideia de cidade se vai transformando na relação com todos esses elementos que criam tensões entre si. Existem pessoas a expor novos pensamentos sobre a urbe e este será também um espaço para elas.”

Arte, ponto

Entre essas reflexões a encetar está a própria ideia de um museu de arte urbana. É que se é verdade que ainda existe resistência por parte de muitos sectores da arte contemporânea em relação a alguns destes artistas, a verdade é que muitos deles operam também nesse circuito. Fazem arte. Ponto. Ou seja, por um lado cria-se visibilidade com uma operação deste género. Por outro existe o risco de confinar ainda mais estas práticas a um universo circunscrito. “Sei disso, sim”, admite Alexandre, “mas este é também o espaço para encetar essa discussão. A verdade é que do lado das instituições ainda não existe suficiente abertura para estas formas artísticas, pelo que estamos aqui a criar o nosso espaço, abrindo-o ao mesmo tempo a outras linguagens, sem desvirtuar o que é arte em espaço público, e abrindo-nos ao questionamento. A intenção não é fechar, mas sim a abertura e a crítica, e a autocrítica, permanentes.”

Para além de uma zona dedicada à exposição da colecção permanente e de uma outra para as exposições temporárias, o espaço contemplará uma área de cafetaria aberta ao público, uma biblioteca e espaço com edições de artistas, para além de escritórios e oficinas. Quem o diz é o designer Pedro Ferreira (estúdio Pedrita) que, em conjunto com António Louro (atelier MOOV), concebeu o espaço, no qual a relação com a rua foi privilegiada.

“Não queríamos perder a transparência para a rua, daí que a parede que faz fronteira com o exterior seja em vidro, preservando a ideia do museu aberto para fora.” No interior, as paredes também serão transparentes e móveis, podendo encerrar salas ou mudar a configuração das mesmas, mas a ideia geral foi “manter a aparência dura do lugar, não tapando a infra-estrutura, assumindo o lado despojado e a respiração para fora”.  

O acordo definido entre Alexandre Farto e o município é para já de quatro anos, mas a ideia do artista é que o “organigrama do projecto possa seguir o seu caminho de forma independente com o conselho directivo que irá ter, que será constituído por quatro ou cinco pessoas, dos vários campos das artes". Para já ainda não existem nomes, mas, para além do conselho administrativo, haverá um director e quatro curadores por ano, podendo estes ser portugueses ou estrangeiros. O museu terá uma parte de acesso gratuito e outra paga, com valores ainda não definidos, sendo que oferecerá também livre acesso para as mais diversas actividades. A data da inauguração ainda não está definida, mas Alexandre acredita que o mais difícil já está. “Pensar em estruturar tudo isto acaba por ser o mais difícil. Agora já falta pouco.”

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