A música, e pouco mais

Dir-se-á, “pois, mas há a música”; claro que sim, mas não é preciso ir ao cinema para a encontrar.

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Elis não é o filme que Elis Regina merecia, apesar da energia com que a actriz Andreia Horta se entrega à emulação da sua figura, sobretudo na sua faceta pública (quer dizer: o espectáculos e as actuações ao vivo). Sem surpresa, são os melhores momentos do filme de Hugo Prata, tanto mais que a intensidade gestual da actriz é “completada” pela voz da verdadeira Elis Regina, e as duas coisas juntas dão, por vezes, um número de ilusionismo quase perfeito.

Claro que, bem vistas as coisas, não é muito diferente do que se veria num daqueles programas de televisão em que os participantes vão imitar grandes estrelas ou fazer playback sobre a voz delas, mas que mesmo nesses momentos – que repetimos, são os mais eficazes – o espectador se lembre desse tipo de programas também acaba por ser um sintoma da debilidade cinematográfica do filme.

A sua ambição é atingir um patamar de correcção industrial que não fique muito a perder quando cotejado com a norma do biopic hollywoodiano, que é, até no ritmo empregue, o modelo evidente seguido por Hugo Prata. Mas um biopic, e até muitos hollywoodianos são assim, também é uma forma de encontrar uma perspectiva, um ponto de vista, sobre a época vivida pela sua personagem.

Em Elis, que vai dos anos 60 ao princípio dos anos 80, cobrem-se décadas atribuladas, e histórica e factualmente riquíssimas (em termos políticos, em termos culturais, etc), do Brasil recente. Pena que o filme escolha transformar isso numa cortina, mais ou menos decorativa, apenas uma espécie de leve contexto muito levemente sinalizado, sem extrair do trânsito personagem/época o potencial (dramático, inclusivamente) que se podia esperar.

É a vida de Elis Regina numa “redoma” hermeticamente fechada, ou quase, como se a vontade fosse a de fazer viver a personagem em abstracção do seu tempo, numa cavalgada um tanto telenovelesca que prefere exibir a psicologia, o talento, os vícios e os demónios pessoais da actriz sem nunca sair de uma fórmula narrativa conformista, pouco imaginativa e ainda menos profunda. Dir-se-á, “pois, mas há a música”; claro que sim, mas não é preciso ir ao cinema para a encontrar.

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