Apoios necessários para as famílias: o futuro é hoje

Muito continuará a depender dos recursos financeiros. Mas a vida das famílias pode ficar facilitada com iniciativas cívicas, um maior envolvimento das empresas e uma maior flexibilidade dos horários de trabalho.

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Enric Vives-Rubio

A lista de faltas é extensa, quer se trate dos apoios às crianças, aos jovens e futuros pais, ou aos idosos, que vivem mais tempo e assim podem ajudar no acompanhamento dos netos, mas também acrescentam muitas necessidades à lista, num país com um elevado nível de envelhecimento da população. Juntas, as muitas faltas sentidas pelos mais velhos agrupam-se em dois ou três conceitos mais vastos. O que pedem as associações? Em traços gerais, uma maior atenção aos problemas dos idosos e uma melhor distribuição do rendimento nacional em favor deste grupo etário.

E os jovens? Além de mais emprego e menos precariedade, querem poder decidir livremente ter filhos. Se tiver preenchido o essencial – trabalho, rendimento, casa – quem desejar constituir família vai pensar na creche, na escola, no preço dos manuais escolares e no custo da ocupação dos tempos livres. Mas também no tempo que, enquanto pais ou mães, terão para cuidar dos filhos.

Não é apenas de rendimento que se fala, mas também de tempo. Um continua a depender do outro, e muito se centra na produtividade no trabalho. Um dos desafios (presentes e futuros) será melhorar a oferta sem aumentar os custos, e ampliar o tempo livre, sem esvaziar o rendimento.

Parece impossível? Sem tentar este equilíbrio, diz a socióloga Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Demografia e professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Évora, o debate em Portugal estará afastado da realidade e das pessoas, e da fasquia colocada em muitas cidades europeias para melhorar a vida das famílias.

“Nós vivemos numa sociedade em que a produtividade é muito medida pelo tempo que a mãe e o pai dedicam ao trabalho, e isso corta muito o tempo para a família”, expõe. “A questão do tempo, mas também esta possibilidade de criar condições para que pai e mãe tenham mais tempo para poder estar com os filhos” estão no topo das prioridades.

Envolver as empresas

Mesmo depois de tudo o que foi feito nos últimos 20 anos, o caminho é longo: seja a cuidar dos seus mais velhos, seja a educar as suas crianças e também os jovens – sobre estes muitas vezes paira a incerteza do desemprego ou a miragem de um emprego estável. E quando a insegurança se sobrepõe à confiança, o ciclo recomeça e mantém-se, sem condições para o jovem constituir família e a sociedade rejuvenescer. A crise de 2011 agravou a situação de muitas famílias.

Agora, o debate pode abranger não só o rendimento, o emprego e a habitação, como outros valores e necessidades, e envolver toda a sociedade civil, incluindo as empresas, como defende Sérgio Aires, o português que preside à Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN).

“O que nós temos, muitas vezes, é a dispersão de apoios. Há realmente uma necessidade de que as cidades se entendam como cidades e não apenas como câmara ou junta de freguesia. Temos há 20 anos o programa das redes sociais locais – de coordenação dos actores ao nível local – que tem dado passos interessantes. Nestas coisas, 20 anos parece muito tempo. Mas é muito pouco. Porque é mexer na forma como as pessoas vêem o mundo, como se organizam", considera Sérgio Aires.

Também Amílcar Moreira, investigador do Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa, lembra que ainda há uns anos não havia um sistema de cuidados paliativos do Estado, como agora existe mas que chega a uma pequena minoria de quem deles necessita. E defende que bastaria olhar para os cuidados continuados aos idosos – como lares, apoios domiciliários, centros de dia – e o desafio já seria imenso. Para este académico que se doutorou em Política Social, no Reino Unido, o Modelo Integrado de Cuidados aos Idosos é “o grande desafio”.

Muita da oferta que existe em Portugal – os lares, por exemplo – é oferta privada, e nem toda regulada pela Segurança Social. “Assim, as famílias não conseguem controlar ou verificar o nível e a qualidade dos cuidados que são dados em lares privados e não reconhecidos pela Segurança Social. Isso cria aqui um problema muito grande de como controlamos a situação da saúde dessas pessoas – o seu estado mental e físico e psicológico”, diz Amílcar Moreira que salienta a urgência da revisão do estatuto do cuidador.

A criação do estatuto do cuidador é também, para a professora auxiliar e investigadora da Universidade Lusófona Sónia Vladimira Correia “uma medida imprescindível no apoio às famílias no que concerne aos cuidados aos idosos”, e nela teria de estar “contemplada protecção legal e laboral dos que cuidam de idosos dependentes, como por exemplo os doentes de Alzheimer”.

A Alzheimer Portugal, que quer ver criado um Plano Nacional para as Demências (e que estas sejam uma prioridade de saúde pública), organizou na passada quinta-feira um concerto solidário, em Lisboa, e todos os fundos angariados já reverteram para a associação, anunciou a própria em comunicado. Será este o futuro? Criar fundos através de iniciativas solidárias?

Também. Mas não só, da mesma forma que não se pode passar já à fase de adaptar modelos de outros países em Portugal, onde “a maioria das pessoas tem um rendimento muito baixo”, diz a socióloga e demógrafa Maria Filomena Mendes.

“Ser um membro activo na sua comunidade, participar (…) em acções ou campanhas de solidariedade social, fazer parte de movimentos de cidadãos de solidariedade social ou que dinamizam um conjunto de actividades recreativas e de lazer junto da população” são, entre muitas outras, “formas legítimas" de ajudar na melhoria da vida das pessoas”, diz Sónia Vladimira Correia.

Além das acções, muito vai continuar a depender dos recursos e também aqui a lista é longa. “Os apoios nos cuidados aos idosos estarão associados às prestações financeiras de apoio ao cuidado de idosos, ao incremento do número de pessoal especializado em serviços de cuidados e apoio na área da gerontologia, ao aumento da rede de serviços de apoio domiciliário, de centros de dia e de lares para idosos”, explica a professora. E como “a parentalidade representa um encargo financeiro relevante para os pais – de 78,4%”, o futuro passa, entre outras coisas, “por  ampliar as formas já existentes de apoio aos pais nos cuidados aos filhos”.

Respostas em rede

Da mesma forma que em tempos se discutiu a idade da escolaridade obrigatória, Sónia Vladimira Correia aponta hoje como necessidade alargar a cobertura do pré-escolar para as crianças com menos de cinco anos.” A investigadora diz que “muito ainda pode ser feito nesta área uma vez que apenas 52,9% das crianças estavam inscritas em jardins de infância ou estabelecimentos de educação e ensino públicos” de acordo com dados oficiais para o ano lectivo 2015/16.  

A habitação e o rendimento vão ser sempre uma parte importante do debate, diz por seu lado Maria Filomena Mendes. Mas ao rendimento, juntam-se outros valores como o tempo e a disponibilidade, como a concertação dos apoios. Ou seja: de que serve para os pais ter uma escola boa para os filhos mas distante sem apoios de transportes? De que servem manuais escolares gratuitos se apenas chegam a alguns e tudo o resto é pago? De que serve um cheque-nascimento quando a família decide ter mais um filho se as despesas com a saúde e a educação são as que mais a preocupam?

Todas essas iniciativas ajudam, diz Filomena Mendes. Porém, no futuro e cada vez mais, o que pode fazer a diferença é uma resposta integrada às necessidades das famílias. Os apoios podem estender-se à oferta de creches e escolas, a mais baixo custo, com horários flexíveis, à oferta de redes de transporte, de manuais escolares e muitos outros apoios que já estão a ser dados. Mas não esquecer de colocar o foco no rendimento e na qualidade do emprego dos pais, e na saúde e na educação dos filhos. Na longa lista de necessidades, o desafio será igualmente adaptar a cada local e a cada família aqueles apoios que são os mais necessários, diz Maria Filomena Mendes. Por outras palavras: dar o salto, mesmo se as famílias ainda estão muito necessitadas do essencial.

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