Afinal, a Alemanha tem pesadelos

A imagem esfíngica de Merkel como a política quase perfeita, como é bom de ver, levou um grande rombo.

A política levada a cabo pela chancelerina Merkel, ao contrário do que muitos queriam fazer crer, foi fortemente penalizada. Perdeu quase 10% dos votos (passou de 41,5% para 32,9%). Trata-se do pior resultado de sempre da CDU no período pós-guerra.

Os principais media europeus apresentaram antecipadamente Merkel como a vencedora e sempre perto da maioria absoluta, o que dá que pensar em termos de credibilidade. As eleições serviram para avaliar o grau de simpatia da chancelerina e do feliz contemplado com quem deu o nó, no altar do poder governamental, o SPD.

Merkel perdeu muito apoio eleitoral não só por causa dos refugiados, mas também devido à sua política interna e europeia que tinha como seu braço direito o senhor Schäuble, o sacerdote da austeridade. A Alemanha precisava dos refugiados dada a situação demográfica e a necessidade de preencher empregos a vários níveis naquele país.

O centrão, a coligação dos Dupont (d), chegou ao fim ao cabo destes 12 anos em que a Alemanha comandou a política austeritária. Os excedentes orçamentais foram gerados à custa da contenção salarial e dos fracos investimentos públicos, tendo em conta os referidos excedentes que deviam, aliás, ser penalizados, no quadro das normas da União Europeia.

A imagem esfíngica de Merkel como a política quase perfeita, como é bom de ver, levou um grande rombo. Já não é só nos países do Sul que ela é criticada. O tombo de cerca de 10% diz do afastamento dos alemães em relação a ela e à coligação CDU/CSU.

Afinal, os alemães não são tão certinhos como alguns apaniguados do tal centrão queriam fazer crer. No fundo, na Alemanha, como um pouco em todo o lado, são os cidadãos que votam e que decidem.

A coligação cinzenta CDU/SPD (vira o disco e toca o mesmo) tende a asfixiar a democracia enquanto terreno gerador de alternativas. Essa política que antes de ser já o era cria o populismo de todos os matizes ideológicos. Permitiu, neste caso, à extrema-direita apresentar-se como oposição tendo em conta o colaboracionismo do SPD.

O resultado do SPD com o mínimo histórico, tal como a CDU, é bem revelador do que significa um partido social democrático juntar-se à direita para partilhar uma política que não é a sua, melhor, que não devia ser sua, pois a razão de ser da social-democracia é a sua oposição às políticas liberais de direita. A social-democracia, para cumprir o seu papel de alternativa, deve combater a política de direita; ao coligar-se com a direita, tende a diluir-se e a desaparecer.

Os que em Portugal, nomeadamente Francisco Assis, vaticinavam uma desgraça para o PS devido à atual governação estão com as orelhas a arder face às perspetivas eleitorais do PS e à anunciada hecatombe do PSD. É interessante que o PSD, pregando o passado, ao contrário do CDS, em certo sentido, aparece mais penalizado que o partido mais à direita. Ou o PSD passou para a direita do CDS ou o líder do PSD assim guinou o partido.

Quando uma ideologia que fez um longo percurso de oposição mais forte ou mais branda à direita abandona o seu ideário, e abraça a política financeira dos mercados, com a fundamentação que não há outra, a sua razão de ser deixa de existir. É a crise de todas as tentativas de fazer dos trabalhistas, dos socialistas e dos sociais-democratas os artífices ou os ajudantes da política neoliberal dominante na União Europa. Os resultados estão à vista na França (o quase desaparecimento do PS), na Espanha (o rombo no PSOE) e na Holanda. Ao contrário, o Partido Trabalhista britânico, fazendo o partido regressar às origens com Corbyn na liderança, aumentou a sua credibilidade e retirou-o do pântano para onde o guiou Blair, o da cimeira da guerra.

Não deixa de ser curioso assinalar que quer nos jornais, quer na rádio, quer na televisão, no panorama alemão o partido Die Linke (a esquerda) é como se não existisse, apesar de ter subido num contexto desfavorável.

Afinal, como se vê também na Alemanha, o sistema de coligações é uma constante, ao contrário do pio do pio Cavaco; só que desta vez o SPD, se continuasse de mão dada com a CDU, poderia ver desaparecer o grande SPD do tempo de Willy Brandt, que há muito foi mandado às urtigas por Gerard Schröder e seguintes.

Ao contrário do que defenderam certos dirigentes alemães, há em Portugal exemplos a seguir. O PS virou para a esquerda e os resultados estão à vista do ponto de vista social e económico. Resta saber se o SPD, mesmo contra o desígnios de muitos dos seus dirigentes, deixa de piscar à direita e guina à esquerda para forjar uma política diferente para a Alemanha e para a União Europeia. O eleitorado de direita prefere a direita para fazer a política de direita. Na terra da aspirina não há nada como a da Bayer.

A junção dos Verdes e os Liberais com a CDU não deve ter grande sucesso. Tudo parece indiciar que a política do centrão habilmente conduzida por Merkel, que para ela atraiu, como sereia do mar do Norte, o SPD, tenha fechado o círculo. A ver vamos como se vai posicionar o SPD e o seu sentido de alianças para afirmar uma alternativa credível com o Die Linke e os Verdes.  

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