Catalunha: legalismo, Europa e Portugal

Uma vez aberta a avenida federal na Península, haverá sempre alguém a perguntar: porque não se junta Portugal à Federação ibérica? Pergunta que será tanto mais forte quanto mais se deslasse ou soçobre o projecto europeu.

1. Desde os finais de 2011 que aqui se escreve sobre o recrudescimento dos nacionalismos no Ocidente europeu. A Flandres e a Bélgica, a Escócia e o Reino Unido, a chamada Padânia e a Itália, a Catalunha e a Espanha foram o mote desses escritos. Eis um assunto que, tal como a questão da imigração, prova bem que a concentração da explicação das dinâmicas políticas no factor económico é redutora. Só agora muitos se dão conta de que a contagem decrescente está a chegar ao fim e a tensão política e constitucional em Espanha está prestes a atingir o clímax. E que isso tem consequências de monta para a Europa e para Portugal. Uma eventual independência da Catalunha desencadearia um movimento mimético no Ocidente europeu (efeito que, com outro resultado, teria sido iniciado pela Escócia). E um movimento mimético na Espanha, designadamente no País Basco, mas também possivelmente na Galiza e na excepcionalíssima comunidade foral da Navarra (de que ninguém fala, mas que é, por razões históricas e constitucionais, a “região” com mais autonomia de Espanha). Criaria problemas enormes à União Europeia e à sua capacidade de reacção e de resposta política, institucional e constitucional. Quanto a Portugal, implicaria a primeira mudança do mapa peninsular em mais de 500 anos (isto tendo em conta que o reinado dos Filipes correspondeu a uma “mera” união pessoal). Ora, uma mudança tamanha ao fim de 500 anos não pode deixar de ter sérias consequências políticas e estratégicas. Isto para já não falar nas tribulações resultantes da necessidade de Portugal conviver com a coabitação entre o velho Estado espanhol e um putativo novo Estado catalão.

2. Importa, antes do mais, sublinhar que a progressão do nacionalismo catalão não é um movimento isolado na Europa, não tendo por isso uma motivação puramente endógena. As reivindicações basca, escocesa, flamenga e do norte de Itália estão exactamente na mesma onda de frequência. Sem pôr em causa a singularidade histórica e identitária de cada caso e, portanto, também do caso catalão, não intercede, no entanto, um excepcionalismo catalão.

Quais são então os factores estruturais comuns à afirmação destes nacionalismos da Europa Ocidental? O primeiro é a pertença à União Europeia e o desenvolvimento constitucional da própria União. “Nações” como estas, num mundo pré-globalizado, ganhavam muito em estarem inseridas em Estados plurinacionais com forte presença internacional. À medida que Bruxelas vai concitando algum poder e se dota de capacidade de afirmação global, estes territórios começam a sentir que podem dispensar a mediação dos Estados plurinacionais em que se integram. Se Edimburgo ou Barcelona têm Bruxelas – com um poder mais lasso e frustre, mas que os representa no plano global – para que precisam da mediação de Londres ou de Madrid? A que acresce, ainda no plano da pertença política, a comparação com os Estados-membros mais pequenos da União. Porque é que a Lituânia, Chipre e Malta hão-de ter voto e acesso directo ao Conselho Europeu ou mesmo um comissário e “nações” muito mais fortes e não menos enraizadas como a Flandres ou a Catalunha não dispões destas prerrogativas?

O segundo é o argumento económico, baseado na maior riqueza das “nações” aspirantes à secessão, argumento válido para o norte de Espanha e de Itália, para a Flandres, mas só parcialmente para a Escócia (que se diz mais pobre, apenas por “expropriação” das receitas do petróleo que tem de partilhar com o Estado britânico). É a velha ideia de que, incorporados num Estado plurinacional, são obrigados a pagar as despesas e as dívidas dos territórios mais pobres. Ideia, aliás, que saiu muito fortalecida com a crise das dívidas soberanas, toda ela produtora e reprodutora de uma narrativa similar. Ao contrário do que alguns para aí dizem, a integração europeia foi um factor decisivo no acelerar (e não no travar) deste clamor nacionalista. Nada de novo, de resto: a Europa sempre foi aliada táctica das regiões na expropriação de poder (para cima e para baixo) dos Estados nacionais.

3. Olhando sucintamente para o historial recente da saga constitucional espanhola e catalã, e por mais que isto custe aos mais conservadores, talvez valha a pena perceber que a unidade hispana só pode ser mantida com a assunção de um modelo federal. Grandes politólogos consideram já a Espanha como um Estado federal “de facto”, na variante do federalismo assimétrico (nem todo o território está dividido em Estados federados e os existentes não têm todos o mesmo grau de autonomia e poderes). A circunstância de a Espanha ser um regime monárquico facilitaria imenso a passagem nominal para o modelo federal. Sem este passo, as tensões irão aumentar enormemente e haverá sempre uma fractura exposta e seminal entre vencedores e vencidos. Por esta razão, é politicamente errada a fixação no argumento jurídico e legal; ele é importante, mas será sempre insuficiente. A constituição e as leis podem mudar-se; raras vezes se fez uma revolução ou se proclamou uma independência que fosse conforme ao quadro legal que as antecedeu! O argumento tem de ser político e tem de apelar às vantagens e ao enraizamento identitário da unidade plural espanhola. Sem este rumo, entraremos numa espiral de impasse e bloqueio, que pode a qualquer momento resvalar.

Não pensando agora no bem-estar dos nossos vizinhos e olhando apenas ao interesse de Portugal, ele afigura-se evidente. A Portugal interessa preservar o velho status quo “uma península, dois estados”, porque valoriza (e sobrevaloriza) a condição de Portugal enquanto Estado-nação. É, porém, verdade que aquele trilho de federalismo que acima se defende, sendo um bom remédio para a Espanha, tem os seus perigos para Portugal. Uma vez aberta a avenida federal na Península, haverá sempre alguém a perguntar: porque não se junta Portugal à Federação ibérica? Pergunta que será tanto mais forte quanto mais se deslasse ou soçobre o projecto europeu. 

Sim e Não

SIM. D. Manuel Martins. Tinha o carisma de profeta que falta à Igreja portuguesa. Tinha-o agora todos os domingos na Igreja da Trindade. Saciou os famintos. Endireitou veredas.

NÃO. PS e relatório secreto de Tancos. O avanço para a teoria da conspiração contra o esclarecimento cabal é gravíssimo e degrada a instituição militar. O Presidente não pode avalizar esta deriva.

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