Erdogan ameaça deixar “à fome” os curdos iraquianos

Um dia depois do referendo sobre a independência, líder turco avisa que os líderes do Curdistão iraquiano irão pagar cara a sua "traição".

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Inimigo do meu inimigo meu amigo é: exercícios conjuntos dos exércitos da Turquia e do Iraque Sedat Suna/EPA

Um dia depois do referendo realizado no Curdistão iraquiano sobre a independência da região – uma consulta não vinculativa, mas ainda assim histórica, tratando-se de um voto inédito para uma parte do maior povo sem Estado –, o Presidente turco acusou o chefe do governo desta região autónoma de “traição” e avisou que se os curdos do Iraque não desistirem da independência podem esquecer a comida que passa todos os dias a fronteira vinda da Turquia.

Recep Erdogan acreditou “até ao último momento” que o presidente Massoud Barzani ia desistir da consulta. Em vez disso, as urnas estiveram abertas; um dia depois, os votos continuam a ser contados, mas os resultados iniciais, segundo o canal de televisão curdo Rudaw, apontam para que pelo menos 90% dos milhões que votarem tenham dito “sim à independência. A ideia de Barzai é ganhar peso político para depois iniciar negociações com Bagdad, o que o Governo iraquiano recusa.

“Se Barzani e o Governo Regional Curdo não recuarem o mais depressa possível neste erro, ficarão na história com a vergonha de terem arrastado a região para uma guerra étnica e sectária”, disse um irritado Erdogan.

Apesar dos vastos interesses económicos que os unem e das boas relações que Ancara tem mantido com Erbil, a capital do Curdistão iraquiano, desta vez Barzani foi demasiado longe. Se no Iraque os curdos são 15% a 20% de uma população de 37 milhões, na Turquia são entre 15% e 30% de 80 milhões de turcos: depois de um período de tréguas e negociações, a guerra civil está de volta ao Sudeste turco, onde se concentra a população curda. A independência de qualquer grupo de curdos é algo que Erdogan não pode aceitar.

Esta “aventura” vai “acabar quando fecharmos as torneiras do petróleo, quando todos os seus lucros desaparecerem, e quando eles não conseguirem encontrar comida porque os nossos camiões vão deixar de viajar para o Norte do Iraque”, ameaça o líder turco.

O Curdistão iraquiano faz fronteira a norte com a Turquia e essa é a sua grande ligação ao resto do mundo: a caminho do território turco, através do oleoduto que segue para o Mediterrâneo, seguem 550 mil barris de petróleo (dos 600 mil barris que a região produz e exporta) todos os dias; no sentido contrário, entra praticamente tudo o que a região importa. Só nos primeiros seis meses de 2017, o comércio transfronteiriço entre o Curdistão iraquiano e a Turquia ultrapassou os 4 mil milhões de euros.

Numa demonstração de força diferente, Ancara e Bagdad (que não têm exactamente as melhores relações) iniciaram exercícios militares no Sudeste turco, junto à fronteira com o Iraque.  

Entretanto, o Governo iraquiano continua a recusar quaisquer negociações com vista a uma possível separação e ameaça a região com sanções por causa de um referendo que considera “inconstitucional”.

Mas entre os curdos festeja-se: é assim em Erbil onde a noite teve fogo-de-artifício e muita gente a buzinar pelas ruas da cidade, mas é também assim para lá da fronteira oriental da região, no Irão, onde milhares de curdos marcharam em apoio ao referendo, desafiando os avisos dos caças que Teerão pôs a voar por cima das zonas onde esta população (mais ou menos oito milhões de pessoas) se concentra.

Há anos que o Curdistão iraquiano é uma espécie de farol para os curdos do mundo inteiro – 30 a 40 milhões de pessoas –, um povo unido por uma cultura e por uma língua e que o fim do Império Otomano deixou sem nação, dividido pelas fronteiras que separam a Síria, o Iraque, a Turquia e o Irão. Ali se governa quase como em independência (durante os piores anos da guerra iraquiana, a seguir à invasão de 2003, o slogan do governo era “O outro Iraque”), em paz, com forças de segurança de segurança curdas e até vistos próprios. 

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