Emails com emails se pagam: Clinton acusa Administração Trump de hipocrisia

Antiga candidata do Partido Democrata pergunta onde está o Congresso, agora que se ficou a saber que pelo menos seis altos funcionários da Administração Trump também usaram emails pessoais para trabalho.

Foto
Reuters/CARLOS BARRIA

Duas semanas depois de Hillary Clinton ter lançado um livro onde aponta o escândalo dos seus emails como uma das principais causas da derrota eleitoral contra Donald Trump, a ex-candidata do Partido Democrata vê surgir uma oportunidade para acusar os adversários políticos de hipocrisia. Mais precisamente de terem chegado "ao cúmulo da hipocrisia", depois de se ter ficado a saber que o genro de Trump e outros cinco funcionários da Casa Branca também usaram os seus emails pessoais para falarem de trabalho.

"Com estas revelações, ficamos a saber que eles não estavam a falar a sério", disse Hillary Clinton esta terça-feira numa entrevista à rádio SiriusXM, referindo-se à forma como a campanha de Donald Trump usou o escândalo dos emails para apresentá-la aos eleitores como uma criminosa que merecia ter sido condenada e estar presa.

"É o cúmulo da hipocrisia. Se eles estivessem realmente a falar a sério, agora teríamos congressistas do Partido Republicano a exigirem uma investigação. Mas acho que isso não vai acontecer", disse a ex-candidata do Partido Democrata em reacção às notícias avançadas no fim-de-semana pelo Politico e pelo The New York Times sobre o uso de emails pessoais na Administração Trump.

Num primeiro momento, o Politico noticiou que o genro de Donald Trump, Jared Kushner, criou um email pessoal no final do ano passado, na altura em que a equipa do candidato do Partido Republicano se preparava para entrar na Casa Branca (Kushner foi um dos principais conselheiros de Trump nessa equipa de transição). E foi através desse email pessoal que Jared Kushner enviou e recebeu "menos do que 100 emails entre Janeiro e Agosto" deste ano, disse no domingo o seu advogado, Abbe Lowell.

Na segunda-feira, o The New York Times noticiou que pelo menos outros cinco funcionários da Administração Trump usaram emails pessoais para falarem sobre trabalho: a mulher de Jared Kushner e filha de Donald Trump, Ivanka Trump; Stephen Bannon, antigo estratega principal da Casa Branca; Reince Priebus, antigo chefe de gabinete; e os actuais conselheiros Gary Cohn e Stephen Miller.

Em nenhum caso há indicações de que tenha sido enviada ou recebida informação confidencial através desses emails pessoais.

As diferenças entre Clinton e Kushner

O caso do casal Jared Kushner e Ivanka Trump é especial – em vez de terem usado contas pessoais em empresas como o Gmail, por exemplo, os dois conselheiros de Donald Trump criaram um domínio na Internet em nome da sua família, num processo semelhante ao que deu problemas a Hillary Clinton.

Apesar das comparações entre os casos de Clinton e da Administração Trump (e das acusações de hipocrisia lançadas pela antiga candidata do Partido Democrata), há diferenças substanciais – pelo menos do que se sabe até agora.

Desde que assumiu o cargo de secretária de Estado na Administração Obama, em Janeiro de 2009, Clinton enviou e recebeu dezenas de milhares de emails de trabalho a partir do seu servidor pessoal, instalado na mansão dos Clinton em Chappaqua, no estado de Nova Iorque – uma prática consciente e contínua que foi levada a cabo até ao fim do seu mandato, em Janeiro de 2014. Quando o FBI abriu uma investigação ao caso, Hillary Clinton e a sua equipa resistiram a entregar todos os emails que estavam guardados no servidor – em vez disso, separaram o que disseram ser emails privados dos emails de trabalho e entregaram o que sobrou ao Departamento de Justiça. Os que foram considerados pessoais foram destruídos por ordem de Hillary Clinton.

No final da investigação, o então director do FBI, James Comey (entretanto despedido pelo Presidente Trump), decidiu não recomendar uma acusação formal contra Clinton, mas disse que a actuação da antiga secretária de Estado tinha sido "extremamente descuidada" – como alta responsável na Administração Obama, Hillary Clinton enviou e recebeu algumas dezenas de emails que eram confidenciais ou que vieram a ser classificados mais tarde como confidenciais, mas o FBI não encontrou indícios de que essa acção tenha sido premeditada e intencional.

No caso dos seis funcionários da Administração Trump não há indícios de que tenha sido trocada informação confidencial através de emails pessoais – o advogado de Jared Kushner disse que as mensagens são, na sua maioria, recortes de notícias e declarações de analistas políticos.

Para além da questão da possível violação de confidencialidade e maior exposição a ataques informáticos, o uso de emails pessoais vai contra os regulamentos do Governo federal norte-americano – as regras dizem que todos os funcionários de topo devem preservar toda a sua correspondência para memória futura, e isso deve ser feito através do uso de emails oficiais.

Segundo o advogado de Jared Kushner, o genro de Donald Trump reenviou para o seu email oficial todas as mensagens que foram trocadas através do seu email pessoal. A ser verdade que Kushner (e os outros cinco funcionários) não trocaram informação confidencial e reenviaram os emails recebidos nas contas pessoais para as contas oficiais, não há nenhuma irregularidade.

O que se segue?

Mas, agora que esta porta se abriu, é possível que não se feche tão cedo – não há indícios de irregularidades, mas há uma pergunta para a qual muitos jornalistas estão a tentar obter resposta: no final de uma campanha em que Donald Trump castigou tanto Hillary Clinton por causa do email pessoal, o que levou o seu genro e conselheiro, Jared Kushner, a criar um email pessoal durante a fase de transição para a Casa Branca?

Na campanha presidencial do ano passado, Donald Trump liderou multidões em comícios (e até durante a convenção do Partido Republicano, em Julho) em coros de "lock her up" (prendam-na) sempre que o nome de Hillary Clinton era referido.

O escândalo dos emails de Hillary Clinton foi um dos maiores trunfos da campanha de Donald Trump, e a investigação do FBI a esses emails é ainda hoje apontada pela candidata como a principal razão da sua derrota.

No Verão do ano passado, o então director do FBI, James Comey, fechou a investigação e não recomendou uma acusação formal contra Clinton, apesar de ter dito que ela foi "extremamente descuidada" na forma como lidou com informação confidencial; mais tarde, a apenas uma semana do dia das eleições, Comey decidiu abrir uma nova investigação quando o FBI encontrou cópias de outros emails num computador pessoal de Anthony Weiner, marido de Huma Abedin, braço direito de Hillary Clinton. Essa nova investigação foi encerrada poucos dias depois, mesmo em cima das eleições, e também sem se ter descoberto indícios de crime, mas quando o anúncio foi feito já tinham votado milhões de eleitores durante o período de votação antecipada.

"Houve muito exagero e muita mentira, com o objectivo de marcar vitórias políticas, o que foi conseguido", disse Hillary Clinton na entrevista desta terça-feira, onde também voltou a assumir a responsabilidade pelas suas acções e a defender que o caso teve mais atenção do que merecia: "Foi um erro estúpido, mas o escândalo foi ainda mais estúpido."

Sugerir correcção
Comentar