Músicos ajoelham-se contra Trump

O presidente americano exortou a que os jogadores de futebol americano que se ajoelhassem durante o hino fossem despedidos. Sem efeito. Jogadores uniram-se, músicos como Stevie Wonder, Eddie Vedder ou Pharrell Williams juntaram-se ao protesto.

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Stevie Wonder e o filho, Kwame Morris, ajoelhados "em prece" no concerto no Central Park, em Nova Iorque Reuters/SHANNON STAPLETON

Donald Trump queria que os proprietários dos clubes de futebol americano despedissem os jogadores que se ajoelhassem durante a interpretação do hino que antecede os jogos, mas as suas declarações tiveram o efeito contrário. Tanto jogadores como os proprietários dos clubes têm-se unido em protesto contra as palavras do Presidente americano, proferidas sexta-feira num comício no Alabama - “tirem esses filhos da mãe do campo já!”, vociferou. Aliás, não só os jogadores de futebol americano, já que também atletas de basebol, por exemplo, têm mostrado a sua solidariedade. Aliás, não só atletas. Durante o fim-de-semana, músicos como Stevie Wonder, Eddie Vedder, Pharrell Williams, Dave Matthews ou Roger Waters juntaram-se aos protestos e ajoelharam-se no início, durante, ou no fim de concertos.

Enquanto Donald Trump continuava a defender a sua posição no Twitter, a sua plataforma de eleição para comunicação com os cidadãos americanos, exortando os adeptos a boicotarem os jogos marcados por protestos dos jogadores, Stevie Wonder iniciava o seu concerto enquanto cabeça de cartaz do Global Citizen Festival, no Central Park, Nova Iorque, anunciando: “Hoje, ajoelho-me pela América. Não apenas um joelho, mas ambos. Ambos os joelhos em prece pelo nosso planeta, pelo nosso futuro, pelos líderes do mundo”. No final de um discurso em que alertou para os excessos da retórica agressiva e dos perigos do militarismo, “quer venham de uma super potência na América do Norte, quer de uma potência no Norte da Coreia”, e em que defendeu a necessidade de interromper o ciclo de ódio, de enfrentar a discriminação e condenar o sexismo, ajoelhou-se no palco, acompanhado pelo filho Kwame Morris, perante os milhares na assistência.

Um dia depois, domingo, o lendário músico repetiu o gesto, desta vez na Virginia, num concerto de solidariedade organizado em sequência do sucedido em Charlottesville em Agosto, quando uma manifestação de supremacistas brancos e neonazis deixou como marca mais visível vários feridos e a morte de uma contra manifestante, atropelada por um apoiante dos supremacistas, confesso admirador de Assad e Hitler. Em Charlottesville, Stevie Wonder esteve acompanhado. Juntou-se a ele Dave Matthews e Pharrell Williams.

Williams comentou desta forma as palavras do Presidente: “Estou na Virgínia neste momento. Estou em casa. Ninguém pode dizer-me o que deveria fazer se quisesse ajoelhar-me neste preciso momento, se quisesse ajoelhar-me pelas pessoas da minha cidade, pelas pessoas do meu Estado. É para isso que serve aquela bandeira” – também ele fez o gesto simbólico de se ajoelhar no palco. À volta dos Estados Unidos, o cenário repetiu-se.

Aconteceu no domingo no Connecticut, quando Roger Waters, o ex-baixista dos Pink Floyd, e a sua banda, se ajoelharam durante um minuto num dos concertos da Us + Them Tour que passará por Portugal em Maio do próximo ano. Aconteceu em Las Vegas, protagonizado pelos os históricos De La Soul. Aconteceu nos campos de futebol americano: Meghan Linsey, ex-concorrente do programa televisivo The Voice, e a sua banda terminaram ajoelhados a interpretação do hino que antecedeu um jogo em Seattle, e o cantor Rico Lavelle fez o mesmo em Detroit.

No Tennessee, durante um concerto a solo, Eddie Vedder tomou o centro do palco para protagonizar o protesto, horas depois de a sua banda, os Pearl Jam, terem emitido um comunicado em que manifestavam o seu apoio aos Seattle Seahawks, equipa que decidiu manter-se no balneário durante a interpretação do hino americano no seu jogo de domingo. “Apoiamos Michael Bennett [jogador dos Seahawks], Kaepernick [o jogador que iniciou esta forma de protesto em 2016] e o direito constitucional de todos a erguerem-se, sentarem-se ou ajoelharem-se pela igualdade”, escreveu a banda na sua conta de Twitter.

Colin Rand Kaepernick, foi este o homem que originou todos os acontecimentos que se desenrolam neste momento. Em Setembro de 2016, num jogo de pré-temporada da sua equipa de então, os San Francisco 49ers’, o jogador, actualmente sem clube, decidiu ajoelhar-se enquanto se ouvia Star Spangled Banner, o hino americano. “Não posso ficar de pé para mostrar orgulho na bandeira de um país que oprime pessoas negras e de cor”, justificou-se no final. “Para mim, isto é maior que o futebol e seria egoísta da minha parte ignorá-lo. Há corpos de pessoas nas ruas e pessoas a obterem licenças com vencimento e a escaparem de assassinatos”.

O protesto de Kaepernick surgiu na sequência da uma série de casos de mortes de cidadãos negros às mãos da polícia e de casos de violência injustificada praticada pelas forças de segurança sobre a mesma população. O seu objectivo, referiu então, passava por iniciar uma verdadeira discussão sobre aquela questão. Eric Reid, então companheiro de equipa que se juntou a Kaepernick no protesto, assinou esta segunda-feira um artigo no New York Times em que manifestava perplexidade com o argumento de que a forma de protesto escolhida é uma ofensa à sua bandeira e ao seu país. “Escolhemos ajoelhar-nos por ser um gesto de respeito. Lembro-me de termos pensado que essa postura seria o equivalente a uma bandeira ser colocada a meia-haste para assinalar uma tragédia”.

No domingo, os Prophets of Rage, a super banda que reúne membros dos Rage Against the Machine e dos Public Enemy, actuaram vestindo camisolas dos 49ers’ com o nome de Kaepernick – e ajoelharam-se. Em Hamburgo, John Legend também ajoelhou - e ergueu o punho no ar. Quando o fez, a estrela soul e R&B já escrevera um texto, entretanto publicado na Slate, em que defende que o carácter “patriótico” do protesto. “O protesto teve um papel de importância determinante no elevar das vozes dos mais vulneráveis da nossa nação. Nos Estados Unidos, o protesto tem sido essencial para acabar com a guerra, para exigir direitos iguais, para acabar com práticas injustas que mantém cidadãos marginalizados”, escreveu o músico e actor, acrescentando: “Se suprimimos o protesto em nome do patriotismo, não somos patriotas. Somos tiranos”.

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