O voo da vida

Um dos maiores sustos da vida é conseguirmos pensar nela enquanto passamos por cá.

O que aconteceu antes de sermos concebidos? E o que acontecerá depois de morrermos? Serão coisas parecidas? Será que podemos dizer? Seremos até capazes de fazer as perguntas?

É bonita a metáfora que vê a vida como um pássaro que, atravessando a voo um salão quente e luminoso, sai por um instante da tempestade fria para a qual pouco depois voltará.

Vale a pena ler a versão original, escrita pelo monge inglês Bede na História Eclesiástica do Povo Inglês que acabou de escrever em 731, 4 anos antes de morrer.

Eis uma tradução: "A vida humana, meu Rei, parece-me ser, comparada com o tempo sobre o qual nada sabemos, como o vôo rápido de um pássaro a atravessar o salão onde estais sentado a jantar com os vossos comandantes e ministros, com uma bela lareira a crepitar, enquanto lá fora prevalecem tempestades de chuva e de neve. Esse pássaro, digo eu, entrando por uma porta e saindo imediatamente por outra, enquanto está a voar lá dentro está salvo da invernia tempestuosa mas, depois de um breve intervalo de bom tempo, ele desaparece imediatamente de vista, voltando para o escuro inverno do qual emergiu. Também esta vida humana assim parece durante um breve intervalo - mas aquilo que aconteceu antes e aquilo que se seguirá, isso ignoramos absolutamente".  

Ou, como diz Pozzo na versão inglesa do Godot de Beckett: "They give birth astride a grave, the light gleams an instant, then it's night once more". Um dos maiores sustos da vida é conseguirmos pensar nela  enquanto passamos por cá.

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