Queixa de maus tratos de menino que morreu na Guarda foi arquivada

Apresentações diárias para mãe e namorada do irmão de menino de 7 anos que sábado caiu de um terceiro andar, na Guarda. É a terceira morte de uma criança em duas semanas num concelho que no ano passado lidou com 224 processos de crianças em risco.

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No concelho houve no ano passado 224 processos de crianças em risco Paulo Pimenta

Seria tumultuosa a vida de João Maria, o menino de 7 anos que sofreu uma queda mortal no sábado. Uma tia alertou em vão as autoridades. O Tribunal da Guarda decidiu nesta segunda-feira sujeitar a mãe e a namorada do irmão de João a apresentações diárias.

A Polícia Judiciária diz ter recolhido testemunhos de abandono e de agressões físicas e psicológicas. Amiúde, os gritos extravasariam o apartamento da família. Em Abril, uma tia paterna apresentou queixa na PSP. E em Julho o Ministério Público arquivou o processo, depois de ouvir duas ou três testemunhas.  

O pai de João Maria trabalhava na GNR. Há seis meses, suicidou-se. Enforcou-se dentro do Comando Territorial da Guarda. Não é que seja uma atitude alheia às forças de segurança (entre 2007 e 2015, suicidaram-se 51 militares da GNR e 38 agentes da PSP, segundo um estudo encomendado pelo Ministério da Administração Interna). É, todavia, muitíssimo raro acontecer algo assim num posto ou numa esquadra.

Segundo fonte da PJ, a mãe, que faz limpezas no Instituto Politécnico da Guarda, com frequência dava sinais de embriaguez. Não garantiria alimentação saudável ao filho, nem lhe daria o medicamento para o défice de atenção e hiperactividade, nem lhe prestaria a atenção devida.

Perante tal cenário, o irmão, de 24 anos, tentou assegurar a alimentação do menino. Foi em casa da namorada dele que jantaram na sexta-feira. Como tinha de trabalhar entre as 7h e as 15h, o empregado fabril pediu à namorada, esteticista, que fosse buscar João Maria para almoçar.

Às 13h00, a jovem, de 28 anos, foi ter com João Maria e a mãe dele a um café. Levou o menino, deu-lhe de comer, tornou a levá-lo. José Maria entrou no café, procurou a mãe e não a encontrou, apesar de ela lá estar, numa área mais reservada.

A rapariga ainda o conduziu até casa, mas a mãe não abriu a porta, nem atendeu o telefone. Tornou a levá-lo para o apartamento dela, pediu-lhe que esperasse, trancou a porta e saiu. Aguardava-a uma cliente, no gabinete de estética, a uns 150 metros.

Impossível saber agora se João Maria desesperou, quis brincar ou tentou fugir para ir uma festa de aniversário que havia naquela tarde. Caiu do terceiro andar. Morreu. E a namorada do irmão terá de responder pelo crime de exposição ou abandono agravado pelo resultado morte. A mãe, essa, responde pelo crime reiterado de exposição ou abandono e pelo crime de violência doméstica.

A terceira morte em poucos dias

É a terceira morte de crianças em duas semanas num concelho que no ano passado lidou com 224 processos de crianças em risco. No dia 12 de Setembro, no lugar de Catraia do Sortelhão, uma mãe, profundamente deprimida, estrangulou o filho de 11 anos. No dia 21, perto do apeadeiro do Sobral da Serra, um menino de 27 meses foi colhido por um comboio. Escapuliu-se enquanto a mãe foi à casa de banho.

A procuradora que levou o caso de João Maria ao juiz, também ouviu a mãe do menino colhido pelo Intercidades,  detida por suspeita de crime de exposição ao abandono. A mulher, de 23 anos, grávida de três meses, ficou sujeita a termo de identidade e residência. Já a mãe do menino de 11 anos continua internada na psiquiatria do Hospital da Guarda.

Logo no primeiro caso, do alegado crime em Catraia do Sortelhão, a primeira preocupação de Ana Baptista, presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, foi verificar se a criança estava sinalizada. Podia ter-lhe escapado. “Não temos nenhuma sinalização desta família nem nunca tivemos qualquer referenciação”, declarou, então.

Também sobre a segunda criança não havia denúncia, apesar de agora várias pessoas falarem em falta de vigilância. Conforme disse a PJ, já antes o bebé fora visto perto da linha e do outro lado da estrada municipal. O caso de João, esse, passou pelo Ministério Público.

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