Corrida ao lítio em Portugal já se transformou num caso de polícia

Divergência entre empresa portuguesa que detém a licença de prospecção e a australiana que realizou os trabalhos no terreno já chegou aos tribunais. Dia 7 de Dezembro acaba o prazo para ser pedido o contrato de exploração daquela que seria a primeira mina de lítio em Portugal. Governo ganha tempo.

Fotogaleria
Elementos da empresa de segurança privada contratada pela novo Litio com a missão de assegurar a integridade das provas de sondagens efectuadas pela empresa australiana e que estes conseguem terminar o trabalho de reabilitação dos respectivos furos. Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
funcionário da Lusorecursos recolocar as fitas de demarcação do terreno que estavam no chão Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Ricardo Pinheiro, sócio da Lusorecursos, e dois funcionários Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Ricardo Pinheiro junto da placa que identifica o contrato assinado entre a Lusorecursos e o Ministerio da Economia Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
David Frances, CEO da Novo Litio, a empersa australiana que fez os trabalhos de prospecção e que pede ao Estado que force a Novo Litio a cumprir o contrato promessa de compra e venda que que deixaria a empresa australiana com a titularidade do licença Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Ricardo pinheiro a ser identificado pela GNR de Montalegre chamada ao terreno por membros da Novo Litio Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Funcionário da Novo Litio junto a um dos furos realizados para as sondagens Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Chegada do solicitador que vai fazer a citação requerida pela Novo Litio, para notificar Ricardo Pinheiro de uma providencia cautelar com a qual pretende ver reconhecida a possibilidade de se substituir à Lusorecursos no pedido de transmissão de titularidade do contrato junto do Miniterio da Economia. Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Agende de eceução a preparar o auto de notificação em que dá como citado Ricardo Pinheiro Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Ricardo Pinheiro e director de comunicação abandonam o local, e começam a ler a citação entregue pelo agente de execução Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Num armazém em Boticas estão concentradas as amostras de sondagens que foram recolhidas e que ainda vai ser enviadas para a Finlandia para serem realizados mais testes metalúrgicos. Adriano Miranda/Público
Fotogaleria
Ministério da Economia vai decidir ate dia 7 de Dezembro qual vai ser a saída para este litigio. Adriano Miranda/Público

O próximo dia 7 de Dezembro poderia ficar na história como a data em que o Estado português assinaria o primeiro contrato de exploração na concessão de Sepeda, uma área mineira que já foi anunciada ao mundo como “o maior recurso de lítio num depósito em pegmatito na Europa”. Mas o mais provável é que fique na história como o dia em que o trabalho de um grupo de geólogos que andou a tentar provar aos patrões e ao mundo que sim, debaixo daquelas terras do baldio de Carvalhais, no concelho de Montalegre, pode estar uma das maiores reservas da Europa de lítio, os deixará com um amargo de boca. “É como morrer na praia. Será uma enorme frustração para mim, como eurogeólogo, ver esta possibilidade escorrer das mãos. Para além do péssimo sinal que Portugal dá aos investidores internacionais, como sendo um país onde é muito arriscado investir”, admite Romeu Vieira, em declarações ao PÚBLICO. 

Romeu Vieira é um dos geólogos que têm estado no terreno a fazer sondagens mineralógicas. O PÚBLICO encontrou-o junto de um dos 136 furos que estão espalhados pelo terreno e que comprovam os quase 19 quilómetros de perfurações que têm sustentado os anúncios de que há naquele local minério apropriado para a produção de óxido de lítio.

A presença desta equipa de geólogos em Sepeda é da responsabilidade da Novo Lítio, o novo nome da Dakota Minerals, empresa australiana que tem feito os trabalhos de prospecção no âmbito de uma parceria com a LusoRecursos, a empresa portuguesa, com sede em Braga, que, esta sim, assinou com o Estado português um contrato de prospecção e pesquisa. Um contrato que termina no próximo dia 7 de Dezembro, data a partir da qual ou entra em vigor um contrato de exploração ou o trabalho até agora feito é dado como findo, e entregue ao Estado.

Por circunstâncias ainda pouco claras, portugueses e australianos estão em litígio pela concessão. O facto de ser a LusoRecursos que tem a licença para trabalhar no local e a circunstância de serem os australianos da Novo Lítio quem tem, de facto, estado no terreno a fazer a prospecção é que acaba por enquadrar a frustração de Romeu Vieira e o título desta reportagem: a corrida ao lítio em Sepeda tornou-se um caso de polícia, com os elementos da GNR de Montalegre a ser chamados ao local quase diariamente, convocados por uma das empresas e para identificar alguém da empresa contrária. 

A LusoRecursos vedou o terreno e exibe a validade do contrato que mantém com o Ministério da Economia. Diz ainda que a todo o momento irão chegar máquinas para fazer as perfurações que serão necessárias – seja para fazer sondagens a maior profundidade, seja para confirmar a concentração de lítio que é possível extrair daquele minério. A Novo Lítio apressa-se a assinar contratos de arrendamento com as Comissões de Baldios para se dizer habilitada a continuar no local, e está em tribunal a tentar obrigar a LusoRecursos a pedir a mudança da titularidade do contrato, de modo a garantir a concessão. Entretanto, contrataram uma empresa de segurança privada para assegurar que ninguém mexe nos 83 furos destrutivos e nos 53 com recuperação que foram feitos no último ano. “Somos uma empresa cotada em bolsa. Comunicamos ao mercado todos os resultados conseguidos. A todo o momento podemos ser auditados e ter de mostrar as provas de que as sondagens e o trabalho técnico foi efectivamente realizado”, explica David Frances, o australiano que vive em Lisboa e que é o presidente da Novo Lítio.

Todas estas declarações foram prestadas ao PÚBLICO na passada quarta-feira, em terrenos da Sepeda. Foi numa manhã particularmente agitada, em que o PÚBLICO testemunhou o momento em que os seguranças da Novo Lítio tentaram barrar a entrada da equipa da LusoRecursos; em que assistiu à chegada da GNR para identificar todos os presentes e, em que, por fim, presenciou a notificação judicial a Ricardo Pinheiro, um dos sócios da LusoRecursos, relativa a uma providência cautelar, anunciada pelos australianos há quase dois meses (e que até justificou a suspensão da negociação em bolsa durante quase um mês).

O calendário dos tribunais não é compatível com a ansiedade destas empresas, e a pressa dos australianos é conseguir que um tribunal os autorize a serem eles a pedir a licença de exploração — e não apenas a LusoRecursos, a única entidade com quem, reconhece o Ministério da Economia, “o Estado português tem um contrato devidamente válido”.

Como chegamos aqui?

Apesar de na constituição inicial da LusoRecursos estar uma empresa de geólogos, a Sinergeo, também com sede em Braga, a empresa não tinha músculo técnico nem capacidade financeira para fazer os investimentos que eram necessários para executar o plano de sondagens.

É aqui que entra a Novo Lítio, que chegou a Portugal ainda com o nome de Dakota Minerals. A 3 de Março de 2016, a LusoRecursos e a Dakota assinam um binding term sheet, um acordo administrativo em que a LusoRecursos se compromete a transmitir à Dakota a titularidade dos direitos que tinha sobre várias áreas contratuais para prospecção e pesquisa – onde está Sepeda. Este acordo também previa a possibilidade de a LusoRecursos vender à Dakota 100% do capital social das sociedades titulares desses direitos.

No âmbito desse acordo, a Dakota faria um conjunto de trabalhos de prospecção nos seis meses seguintes. A partir daqui, as empresas começam a divergir nos relatos. Fonte da LusoRecursos diz que a Novo Lítio não fez trabalhos de prospecção durante meses, porque não tinha dinheiro, e este tipo de sondagens exige capital intensivo. David Frances, presidente e CEO da empresa, assegura ao PÚBLICO que já fez investimentos em Sepeda na ordem dos quatro milhões de euros. A Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) reconhece que até Fevereiro deste ano, data do último relatório que validou, houve investimentos de 900 mil euros.

Independentemente das razões que levaram ao adiamento dos trabalhos, a 30 de Agosto de 2016 as duas empresas assinam uma “alteração ao termo de compromisso” e a data de referência para a conclusão dos trabalhos passou de 1 de Setembro de 2016 para 1 de Março de 2017. E, a 25 de Janeiro deste ano, assinam um contrato promessa de compra e venda, que veio substituir o binding term sheet, onde está descrito todo o clausulado com pagamentos progressivos, que deveriam ser efectuados mediante a quantidade e o grau de concentração de lítio que os australianos conseguissem demonstrar existir no depósito. 

No último relatório reconhecido pela DGEG, que faz o ponto de situação até Fevereiro de 2017, “o vasto programa de sondagens geológicas” realizado até então conduziu "à definição de um recurso de 10 milhões de toneladas de minério de óxido de lítio”. Em Agosto, as duas empresas apresentaram relatórios ao Ministério da Economia, mas ainda nenhum foi validado (o Ministério da Economia considera que só o da LusoRecursos é válido). Já a Novo Litio continua a apresentar resultados em comunicados enviados à bolsa.

David Frances, presidente da Novo Lítio, diz-se “espantado” com tudo o que se está a passar. “O que lhe posso dizer é que fizemos um contrato promessa claro, que indicava quanto pagaríamos pelo contrato quando a única coisa que aqui existia era terra batida, estava tudo por fazer. Nós cumprimos a nossa parte e por nós já tínhamos assinado o cheque há muito tempo”, disse, recusando-se a revelar o valor negociado. 

O PÚBLICO teve, entretanto, acesso ao contrato. E, de acordo com o clausulado, o montante final a pagar pelos australianos à empresa de Braga poderia chegar aos 1,095 milhões de euros – isto, no caso de encontrarem um recurso de 15 milhões de toneladas de lítio com teor de 1,2%. 

Uma questão de dinheiro?

David Frances diz que já queria ter pago, mas a LusoRecursos entende que a Novo Lítio não cumpriu o contrato, alega que a promessa de compra e venda já está extinta e que o vínculo de prestação de serviços que a ligava aos australianos expirou em Maio deste ano. A empresa de Braga está à procura de um novo parceiro para concluir os trabalhos e passar o seu contrato para a exploração experimental ou definitiva. Para isso tem de entregar, entre outros elementos, um complexo plano de lavra (que incluiu, para além das caracterizações geológicas e dos cálculos de reservas, uma caracterização do método de exploração, do processo mineralúrgico, entre outras exigências), bem como o estudo de pré-viabilidade financeira, a indicação de um director técnico cuja idoneidade seja reconhecida pela DGEG. Ricardo Pinheiro assegura que “está tudo em curso”.

A Novo Lítio diz que é a única que está em condições de apresentar o pedido de concessão, mas para tal precisa que o juiz do Tribunal de Braga reconheça a validade do contrato de promessa de compra e venda assinado com a LusoRecursos. “No fundo, o tribunal reconhecerá que houve uma inércia por parte da LusoRecursos, que não cumpriu a sua parte e não avisou o Estado da mudança da titularidade do contrato. Porque só depois disto feito é que o acordo pode prosseguir”, explicou ao PÚBLICO, João Cruz Ribeiro, o advogado que que assina a providência cautelar e que integra o escritório do ex-ministro da Justiça José Pedro Aguiar Branco. 

Os ânimos estão extremados. Na GNR – e na providência cautelar entregue em tribunal – há queixas de que os elementos da LusoRecursos chegaram provocar acidentes de viação “com o propósito de obstaculizar o normal desenvolvimento dos trabalhos”, pôde ler o PÚBLICO.

“É uma pena não se entenderem”, limitou-se a concluir o presidente da Câmara de Montalegre, o socialista Orlando Alves. Lembrando que esta seria “uma oportunidade de ouro para colocar o concelho do mapa” e criar postos de trabalho na região.“Espero que o Governo não deixe de zelar pelo interesse público desta região e arranje uma solução para isto”, termina, dizendo ter tido promessas nesse sentido por parte do Governo. 

Ao que o PÚBLICO apurou, a estratégia nacional para o lítio, que já está em circuito legislativo e que privilegia o lançamento de concursos públicos, vai implicar várias áreas de concessão e investimentos no processo industrial (ou seja, forçar ao tratamento do mineral em território nacional e não apenas retirá-lo da mina e expedi-lo para outros países). A publicação e entrada em vigor dessa estratégia é o que tem sido invocada pela Secretaria de Estado da Energia nos despachos aos pedidos de prospecção e pesquisa que têm sido entregues na DGEG: “Aguardar.” É o que terá de ser feito na concessão de Sepeda: aguardar os novos episódios, de um filme que termina a 7 de Dezembro.

 

Quem são os protagonistas do litígio

LusoRecursos

O contrato de prospecção e pesquisa de Sepeda foi assinado entre o Estado e Ricardo Pinheiro, sócio-gerente na empresa LusoRecursos. Trata-se de uma sociedade por quotas, com sede em Braga, e sem trabalhadores declarados. O outro sócio-gerente é António Marques, presidente da Associação industrial do Minho (AIM) até Março deste ano. Com dívidas de oito milhões de euros, a AIM está inserida num processo de recuperação e envolvida num processo-crime que está a correr no Ministério Público por causa de suspeitas na aplicação de fundos comunitários. O capital social da LusoRecursos é de 5 mil euros.

 

Novo Lítio

Antiga Dakota Minerals, a Novo Lítio é uma sociedade de direito australiano que se dedica à exploração e desenvolvimento de recursos geológicos. Tem sede em Perth, capital do estado da Austrália Ocidental, e é uma empresa cotada na Bolsa de Valores de Sydney (sob o código de transacção NLI) e na Bolsa de Frankfurt (código de transacção ORM). No dia 30 de Agosto deste ano tinha um capital social de 11,1 milhões de euros. O presidente e CEO da empresa, David Frances, tem experiência na área mineira tanto na Austrália como em África, tendo trabalhado nomeadamente em minas no Congo.

Sugerir correcção
Ler 13 comentários