Morreu o fadista João Ferreira-Rosa, o eterno amador do Fado do Embuçado

O intérprete tinha 80 anos e do seu reportório fazem parte temas como Fado dos saltimbancos, Arraial e Fragata. "Canto quando me apetece", costumava dizer, e por isso resistia a espectáculos e discos.

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João Ferreira-Rosa (ao centro) com Amália DR

O fadista e letrista João Ferreira-Rosa, de 80 anos, um dos mais reconhecidos intérpretes do Fado do Embuçado, morreu este domingo de manhã no hospital de Loures, nos arredores de Lisboa, disse à agência Lusa fonte próxima do artista.

João Ferreira-Rosa era proprietário do Palácio de Pintéus, Loures, que pertencera à poetisa Maria Amália Vaz de Carvalho e que serviu de cenário a vários programas de fado transmitidos pela RTP, em que participaram os fadistas Alfredo Marceneiro, Maria do Rosário Bettencourt, Teresa Silva Carvalho e João Braga, e os músicos Paquito, José Pracana e José Fontes Rocha, entre muitos outros.

Figura assídua das galas anuais Carlos Zel, no Casino Estoril, do seu repertório constam, entre outros,  o Fado dos saltimbancos, Arraial, Fragata, Portugal verde encarnado, O meu amor anda em fama, Mansarda e Os lugares por onde andámos.

Escrevendo letras para si e para outros intérpretes, João Ferreira-Rosa, foi autor, por exemplo, do poema Triste sorte, que gravou no Fado Cravo, de Marceneiro.

Tal como Amália Rodrigues e Manuel de Almeida, Alfredo Marceneiro é, aliás, uma das grandes referências deste fadista nascido em Lisboa e convictamente monárquico, que sempre resistiu a gravar (são poucos os discos da sua longa carreira).

“Eu sou um fadista amador”, disse numa entrevista a Baptista-Bastos publicada no livro Fado Falado (Ediclube, 1999). “Eu canto quando me apetece.”

Uma casa de fados de reis e presidentes

João Ferreira-Rosa nasceu em Lisboa em Fevereiro de 1937 e cedo começou a cantar entre familiares e amigos. Aos 13 anos, já como aluno da Escola Agrícola de Santarém, deu o seu primeiro espectáculo, no Teatro Rosa Damasceno, naquela cidade ribatejana, em que cantou, entre outros temas, Fado Hilário. A sua estreia como intérprete coincidiu com o início da actividade como letrista, algo que haveria de marcar o seu percurso. “Carreira”, lembrava muitas vezes, era palavra que não gostava de ver aplicada à sua actividade como fadista não-profissional.

Mais adepto do fado espontâneo, que nasce num jantar ou numa tertúlia à volta da mesa, do que do trabalho de estúdio ou de palco, Ferreira-Rosa tem uma discografia limitada que começa em 1964, ano em que grava o seu tema mais famoso, o Embuçado (letra de Gabriel de Oliveira e música do Fado Tradição, da cantadeira Alcídia Rodrigues), o mesmo que haveria de dar nome à casa que inaugura em 1966, no coração de Alfama.

Pela Taverna do Embuçado, lembrou na mesma entrevista a Baptista-Bastos, passaram grandes nomes do fado – Amália, Teresa Silva Carvalho, João Braga… –, mas também artistas plásticos, escritores e chefes de Estado. “Não havia ninguém de fora que viesse, príncipe ou rei ou Presidente, que não tivesse de ir. Diziam até que era obrigatório ir ao Embuçado e era realmente”, disse ao jornalista.

Homem do fado, mas também dos toiros e dos cavalos, era um feroz opositor à República e esteve, de início, ligado ao Partido Popular Monárquico (PPM), afastando-se com a saída dos seus fundadores, Gonçalo Ribeiro Telles e Henrique Barrilaro Ruas. No centenário da República, aliás, aceitou o desafio de uns amigos para explicar por que razão a monarquia lhe parecia preferível como sistema de governo, numa entrevista que está hoje disponível online (Diálogos com João Ferreira-Rosa sobre a arte de continuar a ser Português no ano do centenário da República).

Quanto ao afastamento do PPM, e para que não restassem dúvidas em relação às suas motivações, justificava-o assim: “A monarquia devia ser um movimento, uma ideia, e nunca um partido. Porque alinhar com a Assembleia da República, a mim, já me parece mal.”

Da curta discografia de João Ferreira-Rosa fazem ainda parte títulos como Ontem e Hoje (1996) e No Wonder Bar do Casino do Estoril (2004). Em 2003 participou no álbum Encantamento, num dueto com Mafalda Arnauth, uma das intérpretes da actual geração de fadistas que mais admirava.

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