Pode mesmo haver um pacto sobre habitação em Lisboa?

Seis candidatos à câmara da capital discutiram com a população aquilo que consideram ser a questão mais urgente na cidade, mas são evidentes as grandes divergências partidárias.

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Protesto dos moradores de prédio da Rua dos Lagares 25 , na Mouraria, ameaçados de despejo pelo novo proprietário do edifício no fim do contrato de arrendamento Enric Vives-Rubio

Há uma coisa que todos os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa dizem: os problemas de habitação na cidade são dos mais graves e dos que precisam de solução mais rápida. Dizem eles, mas até a transversalidade da preocupação é posta em causa. Já se sabia que as diferenças de opinião sobre este tema são profundas, mas elas ficaram ainda mais patentes nesta sexta-feira à noite, num debate organizado pelo movimento Morar em Lisboa.

A discussão até começou com o representante do CDS, Diogo Moura, a defender a necessidade de “uma estratégia a mais de dez anos” e a propor que todos os partidos se sentem à mesa para alcançar um entendimento comum que vigore por vários mandatos. Será possível? Dificilmente, a julgar pelo que se ouviu.

E não foram só os partidos a demonstrar uma vez mais as clivagens ideológicas que os separam. Na plateia também houve ruidosas manifestações que mostram como o debate está polarizado. A dada altura, parecia que o encontro se ia transformar num comício anti-Passos Coelho, mas sobretudo anti-Assunção Cristas. Ausente por motivos de agenda, a presença da candidata e ex-ministra perpassou ainda assim por todo o debate, como a figura do coronel Kurtz no Apocalypse Now.

Foi João Ferreira, candidato da CDU, quem primeiro a mencionou sem a nomear. “O que seguramente não será transversal são as responsabilidades por termos chegado a esta situação”, disse, aludindo ao facto de os seis presentes jurarem que é a habitação a sua inquietação maior neste momento. Pouco depois, Paula Marques, pela coligação liderada pelo PS, e Ricardo Robles, do Bloco de Esquerda, fariam novas críticas ao PSD e ao CDS.

Mas foi do público que saíram as reacções mais fortes. “Por favor, não sejam hipócritas!”, pediu Carla Pinheiro, uma das moradoras de um prédio que esteve para ser despejado na Rua dos Lagares, aos dois partidos mais à direita. “Esta lei das rendas deve ser mudada e quem a fez deve ser chamado à responsabilidade”, disse ainda, arrancando de seguida uma longa ovação. Antes disso, ela e outros residentes da Mouraria tinham já erguido cartazes com polegares vermelhos virados para baixo (em sinal de desaprovação) e uma grande faixa contra a Lei das Rendas.

“Nós temos de revogar a Lei das Rendas e ter uma nova legislação do arrendamento urbano”, defendera já João Ferreira, que mais tarde diria que a lei só “não foi revogada” ainda “porque o PS não quis”.

“Responsabilidade é uma palavra de que gosto muito. É bom lembrar quem deixou o país na bancarrota e chamou a troika”, disse João Pedro Costa, número dois da lista do PSD, imediatamente vaiado. O social-democrata acusou a actual maioria socialista de ter 1600 casas vazias nos bairros sociais e 2000 outras casas devolutas espalhadas pela cidade, que prometeu reabilitar e pôr a arrendar caso seja eleito. “Um ano acho que será suficiente”, afirmou.

Pelo PAN, Inês Sousa Real lamentou que o tempo estivesse a ser gasto em troca de acusações e, antes de sugerir que se discutissem soluções concretas, criticou de igual forma os efeitos negativos da Lei das Rendas e o facto de a “geringonça” – assim lhe chamou – ainda não se ter posto de acordo para a mudar. O partido, disse, defende que a câmara “deve pressionar o Governo para que seja alcançado um pacto nacional para a habitação”. Ao mesmo tempo, acrescentou, a autarquia deve reabilitar o seu património, ocupado e por ocupar, de acordo com critérios ambientais, energéticos e sociais.

Respondendo às interpelações, o centrista Diogo Moura afirmou que “não vale a pena criar uma guerra” entre senhorios e inquilinos quando “este é um problema que afecta os dois”. E voltou a mencionar a proposta de construir casas nos terrenos da antiga Feira Popular, com rendas entre os 500 e os 1350 euros, a que chamou acessíveis – para aquela zona, frisou. “Essas rendas”, respondeu Paula Marques, “não são aceitáveis como acessíveis.”

Sobre rendas acessíveis, Ricardo Robles foi quem que se mostrou mais desfavorável ao programa lançado pela câmara – que prevê colocar no mercado 6000 casas com rendas abaixo dos valores actualmente praticados no mercado. Para o candidato do Bloco, esse plano é uma parceria público-privada (PPP), já que uma parte dos imóveis será entregue a empresas privadas, onde estas podem cobrar as rendas que quiserem, como contrapartida pelo facto de construírem ou reabilitarem fogos com rendas mais baixas. “E não há PPP das boas”, alertou.

João Ferreira considerou “extremamente negativa a opção da actual maioria de extinguir a EPUL”( 2014), que tinha “um corpo e uma estrutura técnica” cujo desaparecimento levou àquilo que disse ser a inexistência de políticas de habitação para a classe média nos últimos anos. E também deixou um alerta: “Temos muita gente na cidade que é ‘rica de mais’ para a habitação social e que é ‘pobre de mais’ para a renda acessível.”

Já perto do fim, Helena Roseta, candidata a ser novamente presidente da assembleia municipal, tomou a palavra para defender a criação de uma Lei de Bases da Habitação. E nesta ideia foi acompanhada favoravelmente por todos os partidos presentes.

O debate terminou com alguma exaltação, pois a representante do movimento Morar em Lisboa, Leonor Duarte, guardou para a intervenção final algumas críticas duras à autarquia. “Não pode haver duas câmaras, tem de haver só uma”, disse, alegando que os vereadores da Habitação e do Urbanismo prosseguiam, muitas vezes, interesses contrários e conflituantes. “A reabilitação urbana é largamente subsidiada e não existe nenhuma contrapartida. Isso era o que nós gostávamos de ouvir, as medidas que vão ser tomadas para ontem”, afirmou ainda.

Várias pessoas da mesa e da plateia não gostaram destas palavras, ditas quando já muitos se preparavam para sair. Já não houve tempo para contraditório.

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