Buracos e desleixo na luxuosa Herdade da Aroeira. Moradores queixam-se de abandono

Empreendimento de residências de luxo é de domínio público mas a Câmara Municipal de Almada não garante limpeza e conservação urbana, acusam os proprietários

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Rui Gaudêncio

Moradores e proprietários de residências na Herdade da Aroeira, na Costa da Caparica, concelho de Almada, queixam-se de que o empreendimento está ao abandono e acusam o município de não garantir a limpeza e conservação do espaço que é de domínio público.

A Associação de Proprietários e Residentes da Herdade (APRHA) diz que trata de “um espaço público urbano, pelo que competiria à Câmara Municipal de Almada assegurar as normais tarefas de higiene e limpeza urbana, manutenção do espaço público, conservação de arruamentos, rede viária, infra-estruturas e espaço verdes, ordenamento da circulação do trânsito e protecção civil de todos os munícipes”.

De acordo com Felismina Ferreira, presidente da associação, “em mais de 20 anos” a autarquia “nunca assumiu qualquer responsabilidade com a Aroeira” e os residentes “sentem-se isolados, excluídos e marginalizados”. Exigem ser tratados como os demais munícipes, até porque pagam mais impostos uma vez que “a herdade está classificada como uma ‘zona de luxo’, à qual corresponde o coeficiente de localização mais elevado do concelho (2,1) para efeitos do cálculo do IMI”.

A Herdade da Aroeira, um dos mais conhecidos e luxuosos empreendimentos residenciais do país, ao contrário do que aparenta, não é um condomínio privado, embora todo o complexo de 3,5 quilómetros quadrados — onde existem 891 lotes de moradias, 720 apartamentos, dois campos de golfe, um lote de hotel, piscina, quatro campos de ténis e zona comercial — se encontre vedado e a entrada se faça por duas portarias com seguranças e cancelas. Moram aqui mais de 1600 famílias num total superior a 4000 pessoas.

O empreendimento divide-se em quatro zonas — três áreas residenciais, dos anos 70, e uma turística e residencial, que integram os campos de golfe, dos anos 90 — todas com alvarás de loteamento urbanístico emitidos pela Câmara Municipal de Almada. Nenhum destes loteamentos foi ainda definitivamente recepcionado pela autarquia (acto em que o município aceita a entrada de uma obra privada no domínio público), sendo que apenas um foi recepcionado provisoriamente.

Um protocolo assinado em 1994 entre a Câmara de Almada e o promotor, a Silaroeira — Sociedade de Desenvolvimento Turístico SA, estabelece que “o desenvolvimento do empreendimento”, tanto na vertente de loteamento como na turística, é “tutelado” pela empresa que também assume perante a autarquia a “responsabilidade” de “conservação e manutenção no que se refere a espaços verdes, pavimentos, passeios e limpeza”.

A Silaroeira, fundada pelo empresário Joaquim Silveira, entretanto transaccionou a sua posição de promotor a outra empresa, a Silcoge, do Grupo SIL, ligada à mesma família e que tem agora como administrador Pedro Silveira, filho do fundador. Pelo meio há também a Silgolf Lda, cujo gerente é também Pedro Silveira, que se assume como “a entidade responsável pela gestão da herdade, da manutenção da vedação, segurança activa, portarias e pelas recolhas de lixos domésticos” e que, segundo a associação de proprietários, é uma empresa prestadora de serviços ao promotor.

Nos termos do protocolo, o novo promotor assume as obrigações de conservação e manutenção dos espaços públicos mas, segundo a associação de proprietários, a qualidade do serviço não satisfaz. “Acresce que a empresa alegadamente responsável pela execução das tarefas de limpeza, conservação, manutenção e segurança da urbanização impõe uma facturação destes serviços aos residentes, justificando que o benefício dos serviços alegadamente prestados deverá ser um ónus dos próprios residentes”, refere a APRHA.

Em resumo, a associação diz que “a Câmara de Almada nunca prestou na Herdade da Aroeira os serviços que lhe competem, sempre recebeu o dinheiro dos impostos dos residentes, delegou responsabilidades no promotor imobiliário da urbanização, que não as cumpre, nunca fiscalizou a forma como os serviços eram prestados pela empresa alegadamente responsável pelos mesmos e demonstra conivência com a empresa que, por sua vez, exige ser paga pelos residentes”.

Questionada pelo PÚBLICO a autarquia começa por esclarecer que “nunca reconheceu a Herdade da Aroeira como condomínio privado” e confirma a vigência do protocolo com a empresa promotora que está assim “vinculada e obrigada a assegurar” a “limpeza e conservação do espaço público em toda a área urbanizada por si”.

A Câmara Municipal informa que já notificou “formalmente e nos termos legais e contratuais, a Silaroeira” para que a empresa corrija as “cerca de duas centenas de desconformidades” identificadas na urbanização num “levantamento exaustivo” que a autarquia fez recentemente.

O município afirma que “em momento algum menosprezou a necessidade de conservação e manutenção do espaço público na Herdade da Aroeira” e que “neste momento decorrem os prazos processuais do processo desencadeado, cujo término se conformará com as responsabilidades assumidas e no quadro legal vigente”.

“Para fazer face a estas despesas, a Silaroeira tem receitas próprias provenientes da exploração de dois campos de golfe localizados na herdade, bem como dos condomínios aí constituídos”, refere a Câmara de Almada, em respostas enviadas por escrito, acrescentando ainda que “a Silaroeira alegou incapacidade para suportar os investimentos necessários às obras necessárias visando a superação das desconformidades, alegando que a Associação de Moradores faz apelo ao não pagamento das quotas devidas pelos respectivos condomínios, atitude que é assumida por cerca de 40% dos condóminos”.

A associação de proprietários rebate a acusação de que os moradores não paguem os condomínios. Felismina Ferreira reitera que não se trata de um condomínio e explica que os valores que o promotor reclama dos moradores tem por base um contrato de legalidade duvidosa que “os primeiros compradores” de lotes ou moradias no empreendimento, “assinaram, aquando da escritura”, em que se obrigavam “por tempo indeterminado” a pagar uma mensalidade à Siloaroeira.

Ainda de acordo com a APRHA, o contrato tem sido impugnado judicialmente pelos moradores “com sucesso” e não abrange a totalidade dos proprietários por “diversas razões”, designadamente porque o promotor imobiliário já não é o mesmo que inicialmente introduziu essa prática contratual uma vez que, nas propriedades entretanto transaccionadas a terceiros, esse contrato não foi apresentado, pelos vendedores, aos novos compradores, ou porque os bancos, que posteriormente têm vindo a vender habitações com que ficaram de financiamentos incumpridos, “não aceitaram” essa relação contratual.

O PÚBLICO tentou ouvir Pedro Silveira, e enviou perguntas por escrito, mas, até ao fecho desta edição, não obteve qualquer resposta.     

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