Ideologia e Direito

O nosso sentido de Justiça é interpelado pelos contornos deste caso da herdade da Aroeira, em que se confrontam os interesses privados com o público.

Este caso da Herdade da Aroeira remete-nos para o conflito, de racionalidade mas não só, entre Ideologia e Direito. O nosso sentido de justiça é interpelado pelos contornos desta situação, em que se confrontam diversos direitos e os interesses privados com o interesse público.

Logo à partida sobressai a perspectiva ideológica, através da (in)justiça social de um luxuoso empreendimento — que é o maior complexo residencial e de golfe da Grande Lisboa — ter os seus espaços públicos cuidados a expensas do erário público. E neste domínio não está em causa apenas a questão de os moradores não carecerem, em teoria, dessa prestação pública, mas também outro aspecto acrescido da equidade, que é o facto das especificidades corresponderem a despesa pública superior à média per capita. Ou seja; num empreendimento em que as áreas de zonas verdes são em quantidade e em qualidade muito superior ao espaço público comum, e em que existem, por exemplo, lagos de grandes dimensões para tratar, o encargo público deixa de ser o equivalente ao gasto com a média dos cidadãos para passar a suportar também um acréscimo que será já custo do luxo ou privilégio de alguns. 

Mas, numa perspectiva jurídica, o caso muda absolutamente de figura. A Herdade da Aroeira é domínio público, como qualquer outra urbanização com a mesma natureza jurídica, foi licenciada por um município que tem, efectivamente, a competência de fazer a limpeza e conservação do espaço público do seu território, sem encargos directos especificamente impostos a qualquer munícipe.

Acresce que, neste processo, a autarquia de Almada tem outra responsabilidade: o dever de recepcionar (assumi-los na esfera pública) os loteamentos de urbanização a que deu alvará. Os três primeiros alvarás são de 1972, 73 e 74 e o quarto e ultimo é de 1995. Dos quatro, apenas um loteamento foi recepcionado, e só provisoriamente, pelo município (e há mais de cinco anos). A autarquia alega desconformidades entre o plano e a execução das urbanizações mas nada justifica tanto tempo porque há formas para resolver o assunto rapidamente, tanto pelos meios jurídicos como, sobretudo, pelas garantias bancárias, do promotor, que pode accionar para reparar esses problemas.

A situação é desconfortável, certamente, pelo conflito ideológico-jurídico que representa. Mas é para isso que serve a política pois a grande e valiosa função dos eleitos, num Estado de Direito, é precisamente a função criadora, isto é, a capacidade de inovar e estabelecer soluções pesando as diversas condicionantes.     

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