O continuum Ecologia-Economia

O desenvolvimento com base nos serviços ecológicos ainda é uma prioridade menor para as políticas do imediato.

Nos dois últimos anos, Portugal perdeu 13% de área florestal, quase o dobro do que tinha perdido em 25 anos (7%). Ao arrepio do que se verifica nos países europeus da bacia do Mediterrâneo, onde a florestação tem vindo a aumentar entre 18 a 33%, Portugal assiste a uma percentagem semelhante, mas a diminuir. Este desastre ambiental, resultado da incompetência sucessiva de políticas falhadas, arrasta perdas económicas e ecológicas imensuráveis. De entre as hierarquias de prioridades políticas, as estratégias da reforma florestal e da conservação da natureza não possuem peso eleitoral ou valor intrínseco na consciência das sociedades para obrigar os políticos a valorizar um território cada vez mais votado ao abandono. É o eterno dilema da economia versus ecologia: os economistas dão poder, os ecologistas trazem reivindicações. Mas ao contrário destes, que se associaram a movimentos políticos, os ecólogos são cientistas que olham e vêm os problemas como um todo, de forma holística.

Muitos dos problemas da floresta vêm da necessidade do poder económico. Assim nasceram as grandes monoculturas de pinheiro e eucalipto. E, como todas as monoculturas, sejam elas arbóreas ou herbáceas, apresentam vulnerabilidades, reflexo da rotura de interacções complexas que se estabelecem conferindo resiliência ao ecossistema. Em toda esta preocupação económica esqueceu-se a visão ecológica, arrastando a diminuição da biodiversidade em prol da produção. Embora sejam necessárias florestas de produção, há que saber gerir o território de forma a que não ocupem grandes manchas contínuas. Após este Verão de fogo, não seria oportuno desenvolver novos modelos de exploração socioeconómica com base na plantação de manchas de espécies mediterrânicas, arbóreas ou arbustivas, mais resistentes ao fogo? As matas biodiversas funcionam como reservatórios de carbono, reguladores do ciclo hidrológico, sequestradores de poluentes, impedem a erosão do solo, estabelecem uma barreira à entrada de fogos. Ou seja, fornecem serviços ecológicos vários à comunidade, que deviam ser quantificados e devidamente remunerados. No próximo programa quadro europeu (FP 9), em actual discussão, novas questões serão levantadas, entre elas as ligadas à preservação dos ecossistemas e à sustentabilidade da exploração dos recursos. Perante a situação actual do nosso território, podia ser oportuno testarem-se, junto das populações, programas socioeconómicos inovadores com vista ao desenvolvimento de estratégias de reflorestação sustentáveis. Mais tarde, os resultados obtidos podiam ser replicados e a experiência adquirida ser ampliada e dinamizada no enquadramento europeu.

Mas para além dos pinhais e eucaliptais, consideradas florestas de produção, surgem os acaciais. Estes foram colocados ao longo das estradas pela rapidez com que cresciam, conferiam “beleza e colorido” às infra-estruturas viárias e rapidamente se tornaram invasoras. São também as primeiras espécies a tomar conta do solo recentemente queimado e a constituir uma praga difícil de remover. Alertar a população de que a acácia constitui uma verdadeira praga difícil de controlar tem sido feito em termos de programas de ciência cidadã. Mas a formação e a divulgação não chegam: há que dinamizar financiamentos para desenvolver métodos eficazes de controlo destas invasoras.

Actualmente, é bom não esquecer, um dos maiores problemas que os ecossistemas enfrentam, para além do homem, são as espécies invasoras. São resilientes às alterações climáticas, ao fogo, e rapidamente desenvolvem estratégias de reprodução que lhes permitem reocupar novos terrenos. E isto generaliza-se às plantas, aos animais e aos microorganismos, na sua maioria ignorados, mas que estão na base da complexidade das interacções que se estabelecem no ecossistema. Os ecólogos têm aqui papel relevante para estabelecer a ligação entre o conhecimento científico e as práticas de gestão. Infelizmente, gestores e economistas, ávidos em montar programas rápidos de ocupação e reabilitação de áreas queimadas, esquecem muitas vezes de consultar o conhecimento científico dos ecólogos.

Em toda esta preocupação de refazer o país, as políticas de mitigação urgentes, para minorar os efeitos da alteração climática, que actualmente se vive, são pouco eficazes e consistentes no tempo e no espaço. Infelizmente, a preocupação política subjacente aos compromissos internacionais do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris está maioritariamente direccionada para a implementação das energias renováveis. Ou seja, para benefício e suporte do país urbano. Mais uma vez é priorizada a economia para o consumo, o citadino e o imediato. A paisagem florestal heterogénea, a biodiversidade dos matos, o desenvolvimento socioeconómico com base nos serviços ecológicos, ainda são prioridades menores para as políticas do imediato. É tempo de a sociedade interiorizar que a sustentabilidade depende de um continuum harmonioso entre ecologia e economia.

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