Ministério Público abriu inquérito ao “apagão” dos 10.000 milhões para offshores

Elementos recolhidos sobre o caso levaram a abertura de inquérito no DIAP de Lisboa em Agosto.

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A IGF considera improvável ter existido mão-humana no erro do fisco Reuters/MARIANA BAZO

O Ministério Público deu seguimento à investigação ao caso dos 10.000 milhões de euros de transferências para offshores que não ficaram registados no sistema central da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e que na sua larga maioria correspondem a fluxos enviados a partir do BES.

O Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o mesmo onde se investigam mega processos mediáticos como o do colapso do BES/GES, investigou elementos sobre o “apagão” e, entretanto, a informação apurada levou à abertura de um inquérito. O caso, no entanto, está a ser investigado, não no DCIAP, mas no DIAP de Lisboa, confirmou ao PÚBLICO a Procuradoria-geral da República (PGR). Não há até ao momento arguidos constituídos.

“Os elementos recolhidos deram origem a um inquérito, o qual foi remetido ao DIAP de Lisboa. O inquérito foi instaurado em Agosto de 2017, encontra-se em investigação, não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça”, respondeu ao PÚBLICO a PGR, confirmando a informação avançada nesta sexta-feira pelo Jornal Económico.

Em causa estão os problemas de processamento que levaram a um “apagão” de dados do sistema central de informação do fisco relativos a 10.000 milhões de euros de transferências para contas bancárias localizadas em centros offshores. Os bancos enviaram os ficheiros à administração fiscal, mas de toda a informação submetida no Portal das Finanças nem todas as linhas passaram correctamente para a base de dados. A informação – contida em 20 declarações, de 14 instituições financeiras – ficou assim inacessível às bases de informação disponíveis para a área de inspecção tributária.

A PGR tem na sua posse a auditoria da Inspecção-geral de Finanças (IGF) que, com base em perícias efectuadas por dois professores do Instituto Superior Técnico (IST), apurou que o tratamento parcial das declarações se deveu a uma “complexa combinação de factores”, sendo, para os peritos, “extremamente improvável” ter havido mão humana deliberada para omitir a informação.

Mas perante a investigação da IGF, o Governo fez saber que ficaram por responder várias questões e o despacho onde essas dúvidas foram levantadas, emitido pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, chegou ao DCIAP, onde o relatório ficou em análise “juntamente com os elementos oportunamente enviados pela Procuradoria-Geral da República”, como confirmou ao PÚBLICO a própria PGR já em Julho.

Dos 10.000 milhões do “apagão”, 7917 milhões correspondem a transferências ordenadas a partir do BES – ficaram por conhecer 96% dos montantes envolvidos (98% das transferências de 2014, o ano da derrocada do banco). Uma das falhas apontadas à auditoria por Rocha Andrade foi o facto de esta entidade não ter conseguido explicar “a singularidade estatística de este ‘erro’ afectar especialmente algumas instituições e manifestar-se de forma diversa ao longo de vários períodos temporais”.

Quando os inspectores de finanças da IGF foram ouvidos no Parlamento sobre o caso, um deles argumentou que a concentração de transferências ocultas em determinados bancos se deve ao facto de, à partida, esses serem aqueles por onde passavam mais transferências em valor. À parte do valor absoluto, há bancos onde a percentagem das transferências desconhecidas em relação ao total dos montantes efectivamente transferidos é diferente de banco para banco.

Há outras instituições, além do BES, onde o erro se manifestou em relação a 90% ou mais das transferências (em valor); noutros casos, só 20%, 40% ou 70% dos valores ficaram de fora do sistema central.

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