Cartografia da falha masculina

Alex Cameron traz mais tragédia, mas agora em néon comercial.

Foto
Forced Witness é um disco tão triste quanto magnífico

Sim, podem entregar os ouvidos e o coração a Forced Witness mas convém ficar de pé atrás e não suspender a descrença, que isto é jogo de enganos, de máscaras, em que nada é exactamente o que aparenta ser. Não se deixem enganar pelo aparente glamour de plástico que Alex Cameron escolheu para a fachada das dez canções que compõem este admirável segundo álbum (o anterior era Jumping the Shark). Não se deixem enganar pela grandiosidade à Meat Loaf, pelas teclas à Rick Astley - por trás do verniz eighties que cobre estas canções Cameron continua a ensaiar a mesma peça de teatro que levava ao palco em Jumping the Shark, a sua estreia: a tragédia da impotência masculina, a solidão disfarçada com recurso à gabarolice quase histriónica, com a diferença de que os protagonistas de Forced Witness parecem ainda mais doentios dos que os de Jumping the Shark.

Nesse disco, este então desconhecido, que na capa surgia com uma cicatriz no rosto, como que a lembrar que isto apesar da pop não faz arder as orelhas só de alegrias mas também de dor, aterrou no coração dos melómanos, como um condutor embriagado que entra com espalhafato por um auditório adentro e, por mero acaso, do acidente resulta o mais belo dos ruídos. Aquela música era um improvável cruzamento entre uma versão neon-4-ever-alone dos Suicide e o épico segundo Springsteen, enquanto homens de vidas medianas se vangloriavam.

Ao vivo Cameron comportava-se como um comediante, um clown no qual podíamos projectar o que quiséssemos. Adoptado pela maravilhosa Angel Olsen, Cameron conheceu, com esse disco e essa digressão, um mini-sucesso, o qual lhe terá permitido comprar um sintetizador menos manhoso – as canções encheram-se, os arranjos ficaram mais encorpados e agora ele foi bsucar inspiração ao pântano da obra de Rick Astley adentro e se repito o nome de Astley pela segunda vez é apenas porque o meu conhecimento de pop pirosa dos anos 80 é reduzido.

Tudo isto é tão deliberado quanto assustador, mas por vezes os resultados são extraordinários: na magnífica faixa de abertura, Candy May, o saxofone oscila entre a tragédia e a glória; o mesmo saxofone ressurge imponente e arrasador em Stranger’s kiss, o dueto com Angel Olsen, uma canção com uma das mais extraordinárias sequências melódicas ofertadas pelo horrível ano de 2017; e Studmuffin96 (cujo título é um suposto nickname de internet) é uma excepcional viagem ao mofo do excesso de opulência de arranjos medíocres que desagua num refrão imaculado. E aqui está o catch: com Alex Cameron tudo é salvo num refrão; mas nesse refrão redentor o protagonista - que já é adulto - canta “I’m waiting for my lover, she’s nearly 17”. Não é a única frase execrável que se ouve em Forced Witness: estas canções versam não só a fragilidade masculina como a patética tentativa de dissimulação que certos homens levam a cabo, nomeadamente a necessidade de gabarolice, de auto-mitificação.

Invariavelmente estes protagonistas são desagradáveis, embora possam também aspirar ao amor, o que não os impede de tratar as mulheres por pussy, de se gabarem da sua mean posse (que inclui um judeu retardado), ou de afirmar que “heartache is for the ugy”. Por trás desse discurso auto-pavoneante adivinhe-se a fragilidade de um castelo de cartas exposto à mais pequena insinuação de uma brisa. Andamos há demasiados anos a acreditar que é fácil ser homem – o que Alex Cameron nos mostra, na sua obsessão com os anos 80, é que da mesma forma que sons anódinos de música comercial podem esconder belíssimas canções também dentro dos machos supostamente inexpugnáveis existe desespero, fragilidade e desamparo para a qual ninguém tem resposta nem salvação. Um disco tão triste quanto magnífico.  

Sugerir correcção
Comentar