Portas vestiu a pele de conferencista para falar de Trump e da Europa

Antigo líder do CDS ignorou política nacional e assumiu-se como um "liberal, conservador clássico".

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Rui Gaudêncio
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As imagens da CNN não tinham som, mas o título a vermelho no ecrã de televisão instalado no bar do hotel era claro: “Donald Trump diz que ‘rocket man’ [líder da Coreia do Norte] está numa missão suicida”. Quase ao mesmo tempo, numa outra sala do mesmo hotel, o ex-líder do CDS Paulo Portas, agora no papel de conferencista, advertia nesta terça-feira que a crise com a Coreia do Norte é um “caso sério”. O antigo vice-primeiro-ministro defendeu que a Europa só se pode “salvar” se se mantiver unida como um bloco comercial, apontou a suavização de posições entre o candidato Trump e o Presidente Trump e chamou a atenção para o crescente papel da economia da China. Sobre política nacional, nem uma palavra.

Com a tarefa de falar sobre a posição da Europa face à presidência de Trump, Paulo Portas começou por registar que o grau de incerteza na Europa “era maior” há um ano, quando foi confrontada com o "Brexit", estava a sair de uma crise migratória e a assistir à eleição de um presidente “atípico” nos Estados Unidos. Na sala do almoço-conferência, promovido pelo American Club of Lisbon, estavam empresários e gestores como Miguel Frasquilho (presidente da TAP), Pedro Reis (ex-presidente da AICEP) e Faria de Oliveira (presidente da Associação Portuguesa de Bancos). Do CDS, partido que Portas liderou durante 17 anos, só estava o deputado Pedro Mota Soares, que é coordenador de Economia da bancada e que foi líder parlamentar e vice-presidente na era portista.

O antigo vice-primeiro-ministro do anterior Governo PSD/CDS criticou a política anti-imigração da Europa – “como é que alguém lúcido consegue gerir as políticas sociais” - numa altura em que o continente enfrenta um “inverno demográfico”. E manifestou “muita preocupação” com a falta de competitividade europeia. “No top ten global das empresas de tecnologia seis são americanas, quatro são chinesas”, afirmou, lendo as suas notas. Com gosto por escrever os seus discursos à mão, Paulo Portas apontou para um slide (em inglês) no ecrã em que figuravam exemplos da “nova economia” como “o maior fornecedor de táxis, não tem táxis” ou “o maior fornecedor de media (Facebook) não produz conteúdos”.

Do outro lado do Atlântico, há um presidente com que Paulo Portas enquanto “liberal, conservador clássico” não simpatiza, mas que tem mostrado desvios nas políticas adoptadas face às promessas de campanha, apesar dos tweets fazerem “muito ruído”. Como exemplos apontou a promessa de Trump de denunciar o tratado NAFTA, quando agora “aceita renegociar”, a suavização da posição sobre Jerusalém e o abrandamento nas críticas à NATO.

Como resposta ao mote da conferência, Paulo Portas deu pistas sobre o que deve fazer a Europa. “Deve ocupar o espaço que Trump deixa vazio” e reforçar relações com “boas economias asiáticas, como a China está a fazer”, sustentou o consultor da Mota-Engil para a América Latina, defendendo que a união faz a força. “A Europa mantém o único factor de competitividade que a pode salvar: ainda é o maior bloco económico do mundo”, afirmou, alertando para as “certezas sobre a China que ruíram” como as que diziam que “a China não inventa, só copia”.

O jornalista, político e agora empresário-conferencista deixou o CDS em Março de 2016. Saiu de cena e são raras as aparições públicas em iniciativas do partido, mas há quem, como assumiu ao Expresso Miguel Relvas, antigo número dois de Passos Coelho, assuma que tem saudades do ex-líder do CDS. Uma confissão que faz lembrar a do então líder parlamentar Nuno Melo (hoje eurodeputado), no jantar de Natal de 2006, quando disse que o partido tinha saudades de Paulo Portas, numa altura em que este também estava afastado da vida partidária. Foi, aliás, a partir daí que se preparou o regresso de Portas à liderança do partido, tendo afastado José Ribeiro e Castro. Porventura, a história não se repete, mas Portas vai entrar, na próxima semana, na campanha de Assunção Cristas em Lisboa.

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