O fiel jardineiro do Maus Hábitos abriu uma loja de kokedamas

Manuel Silva anda de mercado em mercado, mas criou raízes num quiosque restaurado para vender os seus kokedamas: plantas que podem ser suspensas e dispensam um vaso.

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Nelson Garrido

Entrou no Maus Hábitos pouco tempo depois de ter começado a recorrer à jardinagem como terapia, há 12 anos. Manuel Silva queria “mudar de ambiente” e meter as mãos na terra depois do final abrupto de uma carreira em marketing; eles queriam um jardim. Casamento perfeito. Só havia um entrave: naqueles tempos, a “noite era pesada” e chegavam “a passar 2500 pessoas” no espaço da rua de Passos Manuel, em frente ao Coliseu do Porto, todas com vontade de festejar. Era este o palco que se preparava para encher de verde, flores, árvores, ri, ao lembrar-se. Manuel encolheu os ombros e só disse: “Pronto, então têm de ser penduradas”.

Olharam para cima, projectaram mentalmente o jardim suspenso, compraram capacetes, regadores, cestos (os mesmos que ainda hoje lá estão) e embarcaram “nessa aventura”. Quem agora entra no espaço não imagina, mas durante o primeiro ano “faziam a manutenção em cima de andaimes” e demoravam mais de uma hora “a regar tudo”, garante. No segundo ano, instalaram “uma rega automática”. Ainda estava longe de imaginar, mas começava aqui a florescer um outro projecto de plantas suspensas que, depois de ser semeado por vários espaços e mercados da cidade, veio a criar raízes num quiosque abandonado, e recentemente restaurado, na rua da Conceição.

Há três semanas, o jardineiro — que começou a jardinar primeiro por necessidade e depois por vocação — abriu o Kiosquedama (o nome ainda não é oficial mas deve estar prestes a ser adoptado). Lá, vende mini-suculentas, violetas, fetos: tudo para pendurar (ou não, podem ser simplesmente pousadas), sem usar vasos, só com revestimentos de musgo vivo. São kokedamas – literalmente “bolas de musgo” — uma técnica japonesa milenar, derivada da prática bonsai, e que Manuel começou a aprender há quatro anos, quando viu os exemplares vendidos pela FIU.

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O quiosque fica na rua da Conceição, no Porto Nelson Garrido

Quiosque de kokedamas, quer dizer, Kioskedama

Para abrir a própria loja, Manuel tinha três saídas — virou naquela que lhe parecia “mais original”. Passou o mês de Agosto a “recuperar o quiosque, estreito e de vidro, dos anos 60, com estrutura de ardósia”, que agora é a sua montra, bem à face da rua numa galeria “ocupada em boa parte por gente dos mercados” e num local “degradado que continua em reparação”.

Deixam-no pôr as plantas da parte de fora e elas fazem o trabalho de chamar clientes para dentro. Dão voltas e voltas às plantas para tentar perceber a técnica. Quase a garantir que não é magia, Manuel está sentado a mostrar como se fazem, ao vivo, ali mesmo.

“Já vão três semanas e não tenho um grafitto, um risco, um autocolante. Parece que o pessoal da noite está a curtir, as luzes ficam ligadas até à meia-noite, e em vez de colarem ou fazerem tags, devem ficar a contemplar os kokedamas”, brinca.

Além dos kokedamas mais comuns, Manuel vende umas estruturas que apelidou de “kokedamas de parede”. “A génese embrionária” desta “criação” começou com uma encomenda do café Candelabro, que queria abrir a esplanada e pôr plantas na portada. O jardineiro não gostou da ideia de pôr “esferas” e decidiu prender as plantas de modo a parecer que rasgaram a parede. “Esta nova técnica atrai para aqui clientes quase todos os dias”, observa.

Também tem trabalhos no bar Arca; sambaias, dracaenas e chifres de veado, todos “exageradamente grandes”. “Geralmente, os kokedamas cabem na palma de uma mão”, diz, com a mão aberta, pelo que foi “um atrevimento” aumentar a escala. Não se vendem tão bem como os outros, muito menos como os que começou a chamar de “kokedamas Erasmus”. Que é como quem diz as mini-suculentas à venda por dez euros e geralmente compradas por estudantes estrangeiros que vivem “em quartos muito pequenos e querem um ser vivo lá dentro”.

O passeio alegre de Manuel nos mercados

Manuel começou nos mercados porque tinha de “se desfazer do recheio dos antepassados”. Quando a herança já não era “suficiente para fazer bancas interessantes”, começou a vender plantas: primeiro, “metade tralha, metade kokedama”; depois, só kokedamas. Não se vê longe dos mercados e, por isso, ao fim-de-semana fecha a loja e monta a banca na rua, onde se sente bem (aos sábados uma rua abaixo, na praça Carlos Alberto, para o mercado Porto Belo, e aos domingos ruma ao Passeio Alegre, para o Mercado da Alegria).

Agora, já tem resposta para a “eterna pergunta": “Onde é a sua loja?”. O próximo objectivo é ter alguém a trabalhar na loja enquanto faz os mercados ao fim-de-semana, mas isso só quando houver mais plantas para vender. Para já, há outro desafio: o restaurante Aurora, no Porto, quer um jardim suspenso com kokedamas “em frente ao vidro, mas sem estar suspenso”. Eles ainda não sabem, mas Manuel acha que já tem a solução.

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