Obrigado aos emigrantes por gostarem da vossa terra

Por que será que a mesma qualidade de povo, quando emigra, se torna miraculosamente produtiva?

Ninguém lhes ouve um queixume, apesar de serem parceiros humildes dos construtores das catedrais. Foram eles que também ajudaram a fazer a riqueza das nações e que morreram pobres com saudades da Pátria madrasta. Navegaram oceanos, subiram montanhas, perderam-se nos desertos, esgotaram-se nas cidades dos outros. Por onde passaram o progresso foi a sua marca de excelência.

O país deve-lhes as centenas de milhões de euros de poupanças que remetem anualmente para Portugal e que ajudam ao equilíbrio da balança de pagamentos. Milhares ficaram queimados com os papeis comerciais emitidos pelos bancos embrulhados em depósitos a prazo. À espera que o Estado lhes faça justiça.

Trabalham duramente para conquistarem a sua dignidade, amealham cada cêntimo para regressarem em cada Verão de cara levantada às aldeias de onde partiram. São de várias nações como Babel nunca tinha visto, mas entendem-se nos olhares cheios de esperança num futuro melhor, nos gestos vigorosos em trabalhos de hércules, no cansaço de um quotidiano de noites mal dormidas.

Em Portugal somos pouco produtivos, lamentam-se os entendidos. Por isso a nossa taxa de produtividade cá, é baixa. Mas no Luxemburgo, Alemanha, França e nas várias partidas do mundo onde labutamos somos altamente produtivos, constatam os entendidos. Por isso a nossa taxa de produtividade externa é alta. Lá fora somos bestiais, cá dentro somos bestas! Dizem eles, os entendidos.

Os profetas dos dogmas económicos oficiais criticam os trabalhadores de cá pela falta de apego ao culto da produtividade! Por não conseguirem emular os que tiveram que emigrar! Têm razão! Mas porque será que a mesma qualidade de povo, quando emigra, se torna miraculosamente produtiva, a ponto de ser encarada como um exemplo devotado à senhora da produtividade?

Tenho uma dúvida. Talvez a organização do culto cá dentro não seja a melhor. Talvez a educação dos praticantes não seja a mais adequada para os tempos modernos. Talvez os instrumentos de trabalho não sejam os mais eficazes! Talvez o Estado gaste mais do que recebe. Talvez a dívida seja o diabo que impede as graças da senhora da produtividade.

Produtividade? Os emigrantes sabem na prática o que é, embora possam não saber a teoria económica do conceito. Na verdade, eles são uma das causas da produtividade das economias afluentes de que falam os livros de economia. Trabalhadores incansáveis em jornadas de alto valor económico. Polivalência? Oh se eles sabem o que é a polivalência, e antes do tempo oficial! Médicos nas obras, engenheiros nos supermercados, economistas nos restaurantes espécie de faz-tudo, diligentes, disciplinados, fieis e agradecidos. Flexibilidade? Tão flexíveis e sempre disponíveis para os ajustamentos da economia moderna, como eles, não deve haver neste mundo!

Sem eles onde estariam os modernos Estados da América, da Europa e do mundo? As auto-estradas, os caminhos-de-ferro, os metros, as barragens, os estádios, os portos e aeroportos, os hospitais, os carros, os comboios, os aviões, os barcos, o comércio, a indústria, a agricultura, a tecnologia, o bem-estar, e tudo o mais que é a economia mundial, cotada nas bolsas, transaccionada nos mercados, armazenada nos entrepostos, foram, também, a obra das suas vidas.

Sabemos nós como é que eles vivem nas margens das cidades para onde são lançados? Como é a sua vida cheia de medo de serem o bode expiatório das recessões e do desemprego? Como é que os seus filhos, segunda geração de apátridas, se sentem nos países que eles ajudam a construir?

Olhamos para eles nas filas da legalização, nas fronteiras fechadas, nos acidentes de trabalho que os invalidam e apiedamo-nos. Mas calamo-nos quando ouvimos e lemos que eles são a causa de todos os males das nossas sociedades afluentes.

Por acaso sabemos qual a sua contribuição para o produto, os impostos e a segurança social? Sem eles, como seria a renovação da população? Alguma vez lhes agradecemos a sua contribuição para a cultura, o desporto, o conhecimento, a inovação?

Os inocentes não se queixam; apenas transportam a cruz das suas vidas no Gólgota da sua impotência perante a multidão de indiferentes. Eles são fieis à senhora da produtividade que os guia no sonho de regressarem todos os Verões, orgulhosos do seu trabalho.

Os vagabundos do sonho no país dos outros, não se queixam. Talvez apenas desejem que os tratem como seres humanos, porque contribuem, com o seu esforço, para o bem-estar das nossas sociedades.

Os emigrantes, de todos os tempos, são o nome destes inocentes. E para quem já se esqueceu, ou que nunca soube que existiam, os inocentes também foram, são e serão portugueses.

Aliás, quantos de nós não são filhos de outros inocentes que aqui chegaram há séculos?

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