Memória dos 15 de setembro passados

Em 2012, em Portugal, o 15 de setembro foi o dia das maiores manifestações desde o nascimento da democracia.

Na passada sexta-feira, 15 de setembro, a Standard & Poor’s dignou-se levantar a República Portuguesa da notação de “lixo” em que ela e as outras duas grandes agências de notação mantiveram Portugal nos últimos anos. Eu digo que a Standard & Poor’s pode não ter acertado no ano, mas acertou pelo menos no dia em que fez o seu anúncio. O 15 de setembro é uma data reveladora.

Foi a 15 de setembro de 2008 que o banco Lehman Brothers faliu agarrado a 35 biliões de dólares em derivados tóxicos e 50 mil milhões de passivo. A sua notação era em geral de “duplo A” ou mesmo de “triplo A”. A 15 de setembro de 2008 os acionistas do Lehman viram que cada dólar seu passava a valer apenas 8 centavos. A Standard & Poor’s não deu por nada. Tal como disse o seu presidente ao congresso dos EUA, ninguém foi despedido pelo erro. Ninguém das chefias da empresa, bem entendido. Milhões em todo o mundo não tiveram a mesma sorte.

Em 2012, em Portugal, o 15 de setembro foi o dia das maiores manifestações desde o nascimento da democracia.

E assim, de uma penada, esses dois 15 de setembro — o de há nove anos, nos EUA, que deu início à mais grave crise financeira, económica e social desde a Grande Depressa, e o de há cinco anos, em Portugal, quando no auge dessa crise mais de um milhão de portugueses saíram às ruas para protestar contra as políticas de austeridade — dizem-nos muito do que precisamos de saber sobre aquilo que nos aconteceu.

O 15 de setembro de 2008 diz-nos que aquilo que vivemos foi uma manifestação portuguesa de uma crise internacional, primeiro, e europeia depois. Por muito que a direita portuguesa insista na sua visão particularmente estreita do que sucedeu em Portugal, não foi o nosso país em 2011 que provocou o colapso do sistema financeiro norte-americano em 2008. Foi o colapso do sistema financeiro, em 2008, e a subsequente crise do euro quando se descobriu que um governo grego (de direita, já agora) tinha falsificado as suas contas que chegou até nós, depois de ter passado também pela Irlanda (e ameaçado a Espanha, a Itália, e o próprio euro).

O 15 de setembro de 2012, quando os portugueses saíram à rua, fala-nos de outro aspecto da realidade: a impotência perante a crise, quando vista de uma perspectiva política. O que dissemos em 2012 nas ruas foi que estávamos fartos de uma austeridade que nos roubava o futuro; mas o que foi ficando cada vez mais claro a partir daí foi que estávamos indignados com a falta de respostas políticas por parte dos políticos que se opunham à austeridade sem jamais admitirem coordenarem as suas forças. Entrava pelos olhos dentro que só daríamos a volta à situação política com uma convergência das esquerdas; a exigência daquilo a que se viria a chamar a geringonça começou nesse ano de 2012 e só chegou às lideranças partidárias mais de três anos depois.

Olhando para estes nove anos desde o 15 de setembro de 2008 até à passada sexta-feira, é extraordinário como uma pitada de duas coisas essenciais e durante tanto tempo exigidas (uma política mais interventiva por parte do BCE — Mario Draghi é o nome mais importante da crise europeia desde que anunciou que “faria o necessário” para salvar o euro — e uma disponibilidade para a convergência entre as esquerdas portuguesas) foi o suficiente para que se começasse a dar a volta à situação desesperante em que estivemos.

Isso diz-nos muito também sobre o nosso futuro próximo. Até 2019, quando Draghi sair do BCE, é crucial não abrandar a pressão para que se avance na reforma da zona euro e não abrandar a vigilância contra as tendências taticistas e sectárias na esquerda portuguesa. A recuperação é ainda uma criança, e ninguém quer voltar ao sofrimento dos 15 de setembro passados.

(A crónica que tinha pensado para hoje, sobre a ratificação pela parte de Portugal do acordo comercial entre a UE e o Canadá, terá de ficar para a próxima quarta. Mas não posso deixar de manifestar o meu espanto por ver a nossa Assembleia da República fazer menos, em termos de exigências laborais, ambientais e de proteção do estado de direito perante as multinacionais, do que aquilo que fez o parlamento regional da Valónia há cerca de um ano. Uma elite que não faz os debates certos na hora certa deixa de novo o país limitado à política do facto consumado.)

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