Sair do «lixo» mas governar com uma perna só

As agências de rating fazem parte daquelas coisas detestáveis, não sujeitas a escrutínio e controlo democrático, que acabam por impor os seus critérios a instituições das quais dependem o rumo das economias, dos governos e das vidas das pessoas. E quando o todo-poderoso Banco Central Europeu se submete às notações dessas agências na aplicação das suas políticas, o destino de um país pequeno e vulnerável como Portugal pode ficar suspenso da cotação que lhe é atribuída por uma dessas entidades. Há alguns anos ainda se contestava o poder abusivo, caprichoso e não regulado dos agenciadores privados dos ratings, mas hoje apenas algumas entidades arcaicas do anti-capitalismo como o PCP se atrevem a questionar a sua fatalidade…    

Foi, assim, com um imenso suspiro de alívio que se acolheu a decisão majestática de uma das mais temíveis agências de notação, a Standard & Poor’s, de retirar Portugal da categoria «lixo» onde vegetávamos há quase seis anos. E para tornar as coisas ainda mais cor-de-rosa, o último relatório do FMI – que, como se sabe, por sucessivas vezes desde os saudosos tempos da troika, deu a volta ao texto nas suas previsões – reconhece um «progresso notável» no desempenho económico português, apesar das tradicionais e inevitáveis advertências que avança para temperar esse optimismo.

O momento destas boas notícias não poderia ser mais auspicioso para o Governo, por causa da conjuntura pré-eleitoral e de debate orçamental com os parceiros de esquerda, mas também porque ocorre num contexto em que se acumulam tensões sociais (a greve dos enfermeiros é o exemplo mais flagrante) e paira ainda a sombra dos «casos» do Verão, de Pedrógão a Tancos, expondo sucessivas desconexões operacionais – e ministeriais. Por coincidência, o primeiro-ministro dava ontem uma extensa entrevista ao Diário de Notícias, com declarações assertivas sobre um conjunto de matérias da actualidade, dias depois de o mesmo jornal ter publicado outra entrevista, de exuberante teor surrealista, em que o ministro da Defesa alvitrava que o roubo das armas de Tancos podia até não ter acontecido… Por coincidência também, os serviços de protecção civil sofreram uma remodelação total, na sequência da demissão do seu chefe, apanhado em mais um caso anedótico – aliás, já clássico – de licenciatura fraudulenta.

Entretanto, vai-se tornando cada vez mais evidente que o problema deste Governo não é o de dar passos maiores do que a perna, mas de parecer, frequentemente, não ter duas pernas mas uma perna só. A perna que funciona é claramente a de Costa e Mário Centeno (sem esquecer a ajuda de Vieira da Silva ou Maria Manuel Leitão Marques) mas a outra, a que não funciona, afecta grande parte dos membros do Executivo, como se viu com o ministro da Defesa ou a ministra da Administração Interna e também outros, incapazes de gerir as situações criadas pelas restrições orçamentais ou conflitos profissionais nas áreas respectivas (é o caso da Saúde, da Justiça ou da Educação, cada qual com as suas especificidades). Se adiantarmos a função decorativa ou irrelevante de outras pastas – da Economia à Cultura ou aos Negócios Estrangeiros – fica à mostra o carácter disfuncional do actual Executivo.

Percebe-se que Costa sublinhe a prioridade do acerto das contas públicas e do rigor orçamental, para evitar cair de novo no «lixo» e obter folga para as reversões de rendimentos e outras medidas de justiça social que são a marca positiva deste Governo. Mas governar com uma perna só – um Governo perneta – já não é mais sustentável. É como um maestro sem orquestra ou apenas com um ou outro solista talentoso.   

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