Hamas está mais pragmático e isso pode interessar a Israel

Há analistas israelitas que admitem a possibilidade de obter um cessar-fogo de longo prazo com o Hamas.

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Mahmoud Abbas Reuters

A aceitação por parte dos Hamas de todas as condições colocadas por Mahmoud Abbas para aligeirar a pressão a Gaza implica um novo realismo da direcção política do movimento islamista palestiniano. Trata-se, aliás, de um segundo sinal no mesmo sentido, depois da publicação, em Maio, do seu novo programa político, onde se afirma que o movimento não procura uma guerra com o povo judeu nem é uma força revolucionária com objectivos de interferir noutros países.

Na sua maior concessão, o novo documento programático determina que o Hamas “considera o estabelecimento de um estado palestiniano totalmente soberano e independente, com Jerusalém como sua capital, nas linhas de 4 de Junho de 1967, com o regresso dos refugiados e deslocados às casas de onde foram expulsos, como fórmula para um consenso nacional”. Mesmo sem nunca mencionar Israel, o documento aceita assim que haverá outra entidade estatal no exterior destas fronteiras.

Claro que o Governo israelita de direita de Benjamin Netanyahu rejeitou o documento ainda antes de este ser publicado na totalidade, assegurando que “o Hamas está a tentar enganar o mundo”. Mas a verdade é que, na sequência das concessões anunciadas agora face à Autoridade Palestiniana, “já há analistas israelitas que se interrogam mesmo sobre a possibilidade de obter um cessar-fogo de longo prazo com o Hamas”, escreve a AFP.

Pelo menos alguns dentro da Fatah de Abbas estão igualmente optimistas. Um porta-voz do governo palestiniano disse este domingo de manhã que a mediação do Cairo se está a apresentar como uma “oportunidade histórica” que pode ajudar os palestinianos a avançar em direcção “de um Estado total”.

“Todas as partes devem aproveitar esta oportunidade para restaurar a unidade e abrir uma nova página para o povo palestiniano”, comentou, por seu turno, o coordenador especial da ONU para o Processo de Paz no Médio Oriente, Nickolai Mladenov, agradecendo ainda ao Egipto pelos “seus esforços incansáveis para criar este momentum positivo”.

Os analistas dividem-se sobre o que fará Abbas com as novidades vindas do Hamas enquanto estiver em Nova Iorque, para a Assembleia-Geral da ONU. Alguns consideram que preferirá não insistir neste avanço, tendo em conta que tanto Israel como os Estados Unidos consideram o Hamas uma organização terrorista. Do que ninguém duvida é que tanto Abbas como Netanyahu terão de falar de um processo de paz que muitos consideram estar morto quando se encontrarem com o Presidente norte-americano, Donald Trump.

Trump chegou a anunciar que poderia aproveitar a abertura dos trabalhos das Nações Unidas para avançar com uma proposta inicial de negociações de paz, mas entretanto afastou essa possibilidade. Tanto Abbas como Netanyahu já perceberam que o líder americano gostaria mesmo de promover uma conferência entre os dois lados mas ninguém sabe se tem o engenho necessário – para os palestinianos, Trump teria de ser muito mais duro em relação aos colonatos israelitas (considerados ilegais pela ONU e pela União Europeia) e esquecer, obviamente, a intenção de mudar a embaixada americana de Telavive para Jerusalém.

A favor de um reactivar do processo conta o interesse de Trump em promover relações ainda mais próximas com a Arábia Saudita – e os sauditas querem voltar à carga com a sua Iniciativa de Paz Árabe, lançada pela primeira vez em 2002.

Independentemente de Trump ou da União Europeia (a Irlanda tem pressionado para que Bruxelas assuma um papel mais activo nas negociações políticas na região), muitos acreditam que a paz já não chegará com Abbas ou Netanyahu. Mas até nesse cenário as mudanças em curso na liderança do Hamas não devem ser ignoradas – os actuais dirigentes são muito mais políticos do que combatentes e a generalidade dos palestinianos reconhece-lhes uma legitimidade que Abbas já perdeu há muito.

 

 

 

 

 

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