Ligação eléctrica com Marrocos pode mergulhar em águas espanholas

Madrid poderá ter uma palavra a dizer no traçado da interligação eléctrica com que Portugal quer começar a exportar electricidade para Marrocos..

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Portugal quer disputar com Espanha venda de electricidade a Marrocos Daniel Rocha

O Governo pediu ao consórcio que está a desenvolver o estudo de viabilidade técnico-financeira da interligação eléctrica entre Portugal e Marrocos que analise dois cenários para o traçado da linha submarina: um que passa pela zona económica exclusiva espanhola (ZEE) e outra alternativa apenas por águas internacionais.

“O consultor incluirá a avaliação das duas opções no estudo”, confirmou ao PÚBLICO o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral. Por uma questão de proximidade, a passagem do cabo submarino pelas águas espanholas poderia seria uma opção mais barata para o projecto, mas o ministro da Economia não detalhou o tema, remetendo para os resultados do estudo, que se espera que esteja concluído em Novembro.

Para já, Portugal está a aguardar que Espanha envie informações sobre elementos da rede eléctrica espanhola, informações que o consultor considerou “necessárias para a modelação dinâmica do comportamento da rede”, explicou o ministro. Segundo Caldeira Cabral, estes dados “ajudarão a modelar do ponto de vista técnico o efeito integral da introdução do cabo Portugal – Marrocos em caso de contingências técnicas nos três sistemas eléctricos: português, espanhol e marroquino”.

Tendo em conta que tal como Portugal e Espanha, Marrocos e Espanha já estão interligados (os espanhóis são quem exporta energia eléctrica ao país africano, um comércio que Portugal pretende disputar com a construção da interligação), o consórcio quer avaliar as implicações que esta interligação teria sobre os fluxos de energia entre as redes dos três países.

A informação foi pedida formalmente à Rede Eléctrica de España (REE), via Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Julho, mas o PÚBLICO sabe que já houve contactos informais com o executivo espanhol para garantir que esta chega. “Os dados foram devidamente solicitados, aguardando-se resposta”, resumiu o ministro da Economia, que na quinta-feira recebeu em Portugal o ministro marroquino das Minas, Energia e Desenvolvimento Sustentável, Aziz Rabah para a conferência “Energia Limpa para todos os Europeus”.

Caldeira Cabral sublinhou, contudo, que “o não envio dos dados” pela gestora da rede eléctrica espanhola “não colocará em causa os resultados da modelação”. Isto porque, segundo o ministro, “o consultor já apresentou ao Governo português alternativas de procedimento, que contudo exigirão mais tempo de análise por parte do consultor”.

Apesar da conclusão do estudo (da responsabilidade de um consórcio que inclui o INESC TEC, do Porto, e as consultoras Deloitte e Det Norske Veritas) estar prevista para o final do ano, o ministro da Economia não quis comprometer-se nem com uma data para o início da construção da linha submarina, nem sobre quando estará a funcionar: “O Governo avaliará em conjunto com o Governo de Marrocos os resultados do estudo, com vista ao lançamento do concurso [para construção], de acordo com o modelo que melhor beneficie os consumidores.”

Neste momento ainda se desconhece qual será o modelo de partilha de custos entre Portugal e Marrocos para a construção da nova linha de transmissão com capacidade de 1000 Megawatts, que segundo o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, deverá custar cerca de 200 milhões de euros. Um valor que Caldeira Cabral não quis comentar, remetendo para as conclusões da análise técnico-financeira.

Da mesma forma, o ministro também não quis precisar os instrumentos financeiros com que Portugal poderá financiar o projecto, nem se parte do custo será recuperada pelas tarifas eléctricas: “A avaliação técnico-económica do projecto indicará a melhor opção para a exploração do cabo HVDC, tendo-se como critério principal o benefício para os consumidores decorrente da redução de preço de mercado, o qual será resultante da integração de mercados e do maior investimento em energias renováveis sem subsídio em Portugal.”

A expectativa do Governo passa por exportar para Marrocos parte da energia produzida nas centrais solares que estão a ser construídas no Alentejo e no Algarve para vender electricidade em mercado (sem beneficiarem das tarifas administrativas dos projectos mais antigos).

Tal como Portugal, Marrocos – onde começam a ganhar expressão os projectos eólicos e solares – também tem ambição de exportar electricidade renovável para a Europa. Foi nesse sentido que o país assinou na COP 22 (a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que se realizou no ano passado, em Marraquexe) uma declaração conjunta para desenvolver condições que permitam a exportação de electricidade renovável marroquina para o mercado europeu.

Uma realidade que só poderá começar a desenhar-se depois de a Península Ibérica (onde o mercado grossista já está integrado) reforçar a sua capacidade de escoar a energia produzida, algo que até à data tem sido inviabilizado por França, que tem pretendido proteger a sua indústria nuclear, com custos energéticos relativamente baixos e, assim, pouco incentivo para suportar os pesados investimentos necessários para reforçar as suas interligações com Espanha.

“Tanto num cenário de exportação como de importação haverá ganhos para os consumidores e agentes económicos”, garantiu Caldeira Cabral, a respeito da eventual concorrência futura entre Marrocos e Portugal no comércio internacional de electricidade. Os efeitos positivos vão fazer-se sentir quer ao nível do investimento no sector energético, quer ao nível dos preços da electricidade, assinalou.

“A existência de uma interligação adicional introduz maior capacidade de exportação de energia e maior flexibilidade (exportação e importação) para o sistema eléctrico” e isso irá reforçar “a confiança dos agentes económicos nos investimentos em centros electroprodutores renováveis sem subsídio”, explicou. Por outro lado, “sabendo que os fluxos de energia no cabo HVDC decorrerão de acordo com a diferença de preço entre as duas zonas (Península Ibérica e Marrocos), esta interligação terá necessariamente um efeito positivo para o custo da energia”, concluiu.

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