Crónica de uma escola (só) anunciada

O que nos dizem os factos sobre os grandes compromissos educativos do Governo?

Setembro é mês do regresso às aulas. As escolas começam a trabalhar para isso no final do ano letivo anterior, os professores (do quadro) organizam aulas e planeiam atividades durante o verão, pais e alunos tratam dos manuais e material escolar, logo a partir de julho. Todos se preparam atempadamente.

Setembro é também o mês em que as medidas anunciadas pelo Ministério de Educação têm que estar ativas, para que, de forma consistente, o desígnio da politica educativa deste Governo se concretize — ainda que, na maioria das vezes, o CDS não partilhe dessa visão ou das soluções escolhidas.

Em certo sentido, “setembro” é o momento da verdade para o Ministério da Educação. E que nos dizem então os factos sobre os grandes compromissos educativos do Governo, em setembro de 2017?

Recursos humanos. O ano letivo de 2016/2017 foi marcado pela comprovada falta de assistentes operacionais, que motivou várias greves e o fecho temporário de algumas escolas.

O ministro da Educação foi prolixo em declarações sobre esta matéria: em outubro de 2016 garantiu estar a trabalhar numa nova portaria dos rácios para o pessoal não docente; em dezembro afirmou nunca termos tido tantos não docentes nas nossas escolas; em fevereiro de 2017 disse ser preciso reforçar ainda mais o pessoal não docente por causa das baixas médicas; em março prometeu que, até ao início do próximo ano letivo, seria alterada a portaria de rácios; e, em maio e Julho, insistiu que o Governo estava a trabalhar num reforço dos funcionários. Também o primeiro-ministro garantiu que “o próximo ano letivo iniciará com um reforço a nível de assistentes operacionais, decorrente da alteração do rácio".

Em agosto foi finalmente anunciado um “reforço” de 250 funcionários para os 800 agrupamentos de escolas e, em setembro, anunciada também a nova portaria que prevê mais 1500 assistentes operacionais. Nada disto foi, claro, publicado atempadamente. Por isso, o ano letivo começa, e por muitos meses continuará, exatamente como no ano anterior: em rutura. 

Até a colocação de professores, “joia da coroa” do Governo em 2016, não correu bem este ano, no que ao concurso de mobilidade interna respeita. Os professores foram surpreendidos por uma inesperada e injusta mudança de regras, que levou a que muitos fossem colocados a centenas de quilómetros da sua área de residência, com pesadíssimos custos profissionais e pessoais.

E o que é facto é que o Ministério da Educação foi obrigado a dar a mão à palmatória e sentar-se novamente à mesa das negociações, depois de o sr. primeiro-ministro se ter substituído à tutela, assumindo que o processo tinha sido mal conduzido.

Em setembro de 2017, enquanto o Governo anuncia a tranquilidade, os sindicatos acenam com a greve.

Número de alunos por turma. A redução do número de alunos por turma é uma medida emblemática do programa do Governo. Nada contra pelo CDS, embora não defendamos a determinação centralizada do número de alunos de cada turma de cada escola. Preferíamos que fosse dada latitude a cada escola, determinando o tipo e a dimensão dos grupos que entende constituir, dado o seu contexto e um número determinado de professores.

Mas o ministério optou por uma medida “cosmética”, afetando apenas alguns anos e apenas as escolas TEIP. Agora, até a Fenprof afirma: "Assim, não tem impacto nenhum [...] porque nas escolas dos TEIP já havia turmas mais pequenas do que no resto do sistema educativo. [...] Tinha que ser gradual, mas tinha que ter efeitos.” No entanto, o Governo foi aplaudido pelo anúncio maximalista de uma realidade que, em setembro, se comprova ser residual.

Universalização do pré-escolar. O Governo repetidamente garantiu que 100% das crianças de quatro anos estariam nas escolas neste ano letivo. Segundo o Orçamento do Estado, este compromisso foi dotado de mais de 1000 milhões de euros (em 2016 e 2017) e, note-se bem, há apenas duas zonas do país em que há pressão demográfica, estando ambas identificadas desde 2015.

Em setembro foi anunciada a abertura de 70 salas, 1750 novas vagas para uma carência de cerca de 3000. Depois do desastre do verão de 2016, em setembro de 2017 o Governo continua a deixar crianças para trás.

Manuais escolares. Do programa de Governo consta “um sistema de aquisição e retorno de manuais escolares que assegure a progressiva gratuitidade dos manuais escolares”. O ministério optou por começar este processo pelo 1.º ciclo, conhecendo quer a lei dos manuais escolares quer a realidade pedagógica, e por isso sabendo que se trata de manuais nos quais os alunos devem escrever.

Não há, portanto, reutilização possível, a não ser que se executem as instruções previstas pelo mesmo ministério no sentido de obrigar os pais a apagar os manuais sob pena do ressarcimento do seu valor de compra.

Portanto, de acordo com o Orçamento do Estado de 2017, gastar-se-ão 12 milhões de euros, repetidamente todos os anos, para oferecer manuais aos alunos do 1.º ciclo das escolas do Estado, mesmo aos que têm pais com rendimentos taxados no escalão mais elevado do IRS.

Em 2016, anunciou-se o alargamento gradual desta medida a toda a escolaridade obrigatória. Mas, em setembro de 2017, talvez pela perspetiva de 12 milhões de euros em loop, deixou de se ouvir falar nos ciclos seguintes.

Requalificação de escolas. Em janeiro de 2017, o ministério anunciou, com pompa, 320 milhões de euros para intervenções em 500 escolas, financiados por fundos comunitários e pelas autarquias, até 2020.

No dia 6 de setembro, o primeiro-ministro anunciou, como novidade, as mesmas 500 intervenções, inflacionadas agora para 370 milhões de euros. Setembro inflamou o discurso em mais 50 milhões de euros, mas, à realidade, ainda não chegaram devidamente os 320 milhões anunciados há oito meses atrás.

Formação de adultos. O Governo definiu a meta de qualificação de 600 mil adultos até 2020, através do programa Qualifica (herdeiro das Novas Oportunidades), e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional anunciou ter aumentado para 300 os centros preparados para esse fim. Só que, recorrendo aos dados do IEFP, em maio de 2015 estavam abrangidos pelas várias medidas de qualificação 167.391 adultos e, em maio de 2017, esse número era de 83.849, ou seja, metade. Mais centros, mas menos formandos e, portanto, ineficiência dos 40 milhões de euros inscritos no Orçamento do Estado de 2017.

Como disse acima, “setembro” é o momento da verdade para o Ministério da Educação e, portanto, se é verdade não haver um défice de anúncios, é igualmente verdade um imenso fosso entre a palavra anunciada e a palavra honrada.

Em setembro de 2017, numa escola em Matosinhos, ouvimos o sr. primeiro-ministro afirmar, para todos, a promessa do conhecimento. Infelizmente para todos, sr. primeiro-ministro, a única novidade foi o conhecimento de promessas, as mesmas que ouvimos, sem ver, desde 2016.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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