As cautelas de Centeno e as pressões da esquerda com os olhos postos na folga

O outlook da dívida portuguesa deixou de estar negativo e isso traz alguns benefícios não imediatos. Será que as negociações orçamentais ficam como estão?

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Centeno e Costa dão sinais de que saída do “lixo” não muda negociações do OE2018 Enric Vives-Rubio

Primeiro a euforia. "É uma excelente notícia para Portugal, para as empresas, para todo o sector empresarial e produtivo e para as famílias, com certeza”, dizia o ministro Mário Centeno duas horas depois de a agência Standard & Poor’s ter mudado o rating da dívida portuguesa, tirando-a do lixo.”

Depois a cautela. “O optimismo português tem de ser assertivo e pragmático, porque a dívida permanece a quarta maior do mundo. Temos de ter um enorme pragmatismo na forma como também lidamos com as boas notícias”, acrescentava o mesmo ministro, na manhã seguinte, à chegada ao aeroporto de Lisboa, vindo da Estónia.

O momento não é para “embandeirar em arco”, como dizia Marcelo Rebelo de Sousa em Maio, perante os números do crescimento no primeiro trimestre do ano. Pelo contrário, “temos de continuar a ter rigor nas contas públicas", assumiu o primeiro-ministro ao DN.  Vamos manter “a estratégia de redução do défice para reduzir a dívida” e “melhorar as condições de vida dos portugueses e portuguesas”, disse, já este sábado, em Bragança, numa acção de campanha autárquica.

Em plena fase de negociação do Orçamento do Estado para 2018 com o BE, o PCP, o PEV e o PAN, a subida de rating é uma “notícia extraordinária” (Centeno dixit) para a dupla Costa e Centeno e não é só pela poupança que ela pode vir a significar ao nível dos juros da dívida. É também pela força que pode dar ao ministro das Finanças na sua posição negocial, se Centeno conseguir passar a mensagem de que Portugal está no bom caminho e não pode estragar tudo.

Mas a esquerda, ou parte dela, não tenciona desarmar. Agora que há boas notícias, a pressão é para manter. Com os olhos na folga. E se o Governo insistir em colocar travão, “será evidente demais que está a tentar concentrar as boas notícias no ano eleitoral”. A conclusão é de um parceiro da "geringonça".

Esquerda desvaloriza

Antecipando os argumentos que podem, a partir de agora, ser usados nas negociações, o Bloco desvalorizou a notícia da última sexta-feira à noite. Citada pela Lusa, a líder do partido, Catarina Martins, assegurou inclusivamente que o Bloco não fará as negociações do Orçamento do Estado tendo em conta as posições das agências de rating, mas sim para prosseguir um "trabalho equilibrado de recuperação de rendimentos".

A bloquista sublinhou que "todos os alívios são conjunturalmente importantes", mas o problema "é estrutural" e tem de ser resolvido. "Continuamos a ver os níveis da dívida pública muito elevados e sabemos que não as agências que vão resolver esse problema do dia para a noite", referiu a líder do BE. Logo na sexta-feira, a eurodeputada Marisa Matias, do BE, havia dito, na TVI24, que o país continua refém “do garrote da dívida”. 

Para o Bloco, o caminho a seguir é só um: promover melhores salários e pensões, parar privatizações e proteger serviços públicos. 

O PCP também lembrou que  Portugal não pode estar dependente "dos humores ou dos estados de espírito das agências e, muito menos, estar dependente dessas agências e das suas dinâmicas especulativas", como disse o deputado do PCP Paulo Sá em Silves, no Algarve.

Independentemente das classificações que esta ou outra agência de rating venham a atribuir a Portugal, o PCP continuará a bater-se, nomeadamente no próximo Orçamento de Estado, para que Portugal faça opções necessárias para o país e para os portugueses”, sublinhou ainda o deputado, mantendo o foco nas negociações em curso.

Se dúvidas restassem, Jerónimo de Sousa vincou também que a “boa notícia” seria, isso sim, o país “assumir a sua soberania no plano económico e monetário”, porque esse é o caminho que permitirá repor rendimentos e direitos – como o descongelamento das carreiras da função pública, exemplificou.

Com Passos seria mais rápido

Na sexta-feira à noite, à margem de um jantar de campanha em Mafra, o líder do PSD admitiu que o actual executivo “tem o mérito de ter conseguido nestes dois anos provar que os receios dos investidores eram infundados”, já que “acabou por garantir as metas que eram importantes para quem estabelece o rating para o país”.

Classificou a nova notação como uma “excelente notícia” mas ainda assim afirmou que se a direita se tivesse mantido no governo “muito provavelmente essa melhoria” teria ocorrido mais cedo. Logo na réplica, António Costa, em Lisboa, provocou: "É tão verdade como eu dizer que se o governo tivesse mudado mais cedo teríamos saído ainda mais cedo (…) Conseguimos estes resultados virando a página da austeridade.”

Dormir sobre o assunto piorou o ambiente entre ambos. Costa abriu as hostilidades no sábado de manhã em Bragança defendendo que foi o Governo PS que “virou a página do ‘lixo’” e não a direita. O CDS veio entretanto dizer que o mérito é deste e do anterior Governo. “A direita bem pode dizer que teria feito o mesmo. Há uma coisa que nós sabemos: não fez e nós fizemos (…) Tivemos melhores resultados com menos sacrifícios”, apontou o primeiro-ministro.

Passos Coelho contra-atacou em Penalva do Castelo. Disse que Costa quer “vender factos que não existem e retóricas que não têm adesão à realidade”, mostrando que o Governo não está “à altura dos acontecimentos”. E reclamou louros porque se o seu executivo tivesse falhado, agora não havia esta “prosápia toda”.

Sem agenda pública este fim-de-semana, Marcelo Rebelo de Sousa nada disse sobre a nova notação de Portugal, atribuída pela Standard & Poor’s. Um silêncio pouco habitual para o Presidente da República.

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