Furacão Irma: "Ursos", "pizza" e outras gaffes na mensagem em língua gestual

Intérprete amador indicou frases incompreensíveis para a comunidade de surdos da Florida, sendo acusado de colocar vidas em risco.

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Marshall Greene (à direita, de camisola amarela) é nadador-salvador e tem um irmão surdo. Foi-lhe pedida ajuda para traduzir a conferência DR

Na semana passada, e com o furacão Irma a atingir o estado norte-americano da Florida, as autoridades do condado de Manatee convocaram uma conferência de imprensa urgente para alertar para as cheias e emitir ordens de evacuação. Mas, para a comunidade surda local, a mensagem não foi entregue: o intérprete de língua gestual indicou palavras soltas como “ursos”, “monstros” ou “pizza”, que não faziam parte do comunicado oficial, e as suas frases eram simplesmente incompreensíveis. Pouco tempo passou até que começassem a surgir críticas nas redes sociais que denunciavam que, numa situação de emergência, a incompetência estava a colocar vidas em risco.

As explicações para o momento caricato chegam agora. O homem que tentou traduzir a conferência de imprensa, Marshall Greene, não é um intérprete profissional. É apenas um nadador-salvador que tem um irmão surdo, segundo explicou um porta-voz do condado norte-americano, Nick Azzara. Apesar de admitir as falhas na interpretação da mensagem, o responsável justificou que era sempre preferível ter alguém a tentar traduzir o comunicado do que não ter ninguém para fazer passar a mensagem à comunidade surda.

E de facto houve falhas. Enquanto os moradores da zona recebiam instruções e informações sobre a tempestade, Greene indicava frases como “necessidade ser urso monstro”, “pizza quer tu és”, “cão gato” ou “ajudar-te nessa altura também usar urso grande”, além de letras soltas e até gestos sem significado conhecido. Um vídeo partilhado entretanto no Youtube inclui a transcrição do que foi efectivamente indicado por Greene. Carregado há seis dias, o vídeo foi visto mais de 350 mil vezes.

O incidente foi duramente condenado por especialistas em língua gestual como Jason Hurdich, professor da Universidade de Clemson, na Carolina do Sul, que disse ao jornal Bradenton Herald ter ficado “chocado” com a situação.

Hurdich explica que a língua inglesa e a língua gestual americana (que se distingue da britânica, por exemplo) diferem muito, nomeadamente a nível gramatical, o que fez com que não se entendesse cerca de 95% do que estava a ser suspostamente traduzido pelo intérprete amador. E alerta para o perigo e para a gravidade da situação, defendendo que todos os governos locais deveriam ter um intérprete profissional certificado, sobretudo em situações de emergência como a que o sudeste dos EUA viveu nas últimas semanas.

Também Chris Wagner, antigo presidente da Associação Nacional para os Surdos dos EUA, referiu que se apercebeu logo que Greene não era "um intérprete profissional" por ter cometido erros básicos, como usar uma camisola amarela em vez de uma preta que tornasse as suas mãos mais visíveis.

O Independent escreve que a comunidade surda da Florida reagiu com indignação ao incidente, acusando o intérprete amador de ter colocado vidas em risco.

Por outro lado, a família de Greene, escreve ainda o jornal britânico, defende o intérprete amador, explicando que o nadador-salvador não estava familiarizado com os termos técnicos usados pelas autoridades e que a ideia de participar na conferência de imprensa não partiu deste.

O episódio da Florida tem algumas semelhanças com o caso do falso intérprete de língua gestual que, durante o funeral de Nelson Mandela, em 2013, fingiu traduzir os discursos de homenagem ao antigo Presidente sul-africano, ao gesticular incoerentemente. O caso provocou a indignação do Presidente norte-americano, Barack Obama, dos netos de Mandela e também da comunidade de surdos da África do Sul.

Nesse caso, o protagonista do incidente, Thamsanqa Jantjie, insistiu que era mesmo um intérprete de língua gestual (sem nunca apresentar provas) e explicou que sofreu um episódio de esquizofrenia durante o evento.

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