Nuclear na Coreia do Norte: a loucura racional

Existem nas relações internacionais várias teorias que nos permitem compreender o processo de tomada de decisão em política externa. Uma delas, designada de teoria do actor racional, desenvolvida por autores como por exemplo Graham Allison, defende que os Estados respondem racionalmente a situações específicas a partir de um cálculo custo-benefício. Quando o primeiro é superior ao segundo, preferem não agir. Quando o inverso é verdadeiro, agem.

Esta teoria é muito útil para entender a racionalidade por trás da aparente loucura da escalada da tensão na questão do programa nuclear da Coreia do Norte. Através dela conseguimos compreender que todos os principais actores envolvidos estão a actuar com racionalidade, não obstante o alto risco envolvido sempre que estamos perante armas nucleares.

Comecemos pela racionalidade daquele que parece ser o principal “louco”: a Coreia do Norte. Os seus líderes pretendem tornar o país numa potência nuclear, passando assim a fazer parte deste grupo restrito de Estados, de forma a garantir a inviolabilidade total do seu território e a sobrevivência do regime. A lógica até é relativamente simples: ninguém se atreve a invadir um país, ou a tentar mudar um regime, com armas nucleares e capaz de retaliar provocando milhões de mortos, pois neste caso os custos serão não só muito superiores a quaisquer benefícios como são mesmo inaceitáveis. Foi esta a lição aprendida em Pyongyang (e em Teerão) depois do que aconteceu com Saddam Hussein e Kadhafi, mesmo que tal não sirva para legitimar as pretensões nucleares norte-coreanas que, de resto, começaram muito antes dos acontecimentos do Iraque e da Líbia. Acresce que os líderes do país sabem que a sua actual capacidade militar convencional, capaz de destruir Seul em pouco tempo, retira aos seus inimigos, em particular aos Estados Unidos, a opção de agir militarmente – essa já não é uma opção hoje.

Relativamente ao segundo “louco” – os EUA –, estes pretendem antes de tudo impedir a proliferação nuclear ao nível internacional, pois esta pode matar-nos a todos. Querem também garantir que a Coreia do Norte não tem a capacidade efectiva para atingir território norte-americano com armas nucleares, destruindo por exemplo em poucos minutos o Texas ou Nova Iorque. Desejam ainda garantir a segurança dos seus aliados regionais, em particular a Coreia do Sul e o Japão, países com os quais têm acordos de defesa e onde estão estacionados milhares de militares americanos.

O último “louco” de entre os actores essenciais nesta questão, a China, pretende evitar a desestabilização da Península da Coreia, que fica logo ali à porta da entrada da sua casa, quer impedir qualquer processo de mudança de regime em Pyongyang que possa contagiar Pequim e deseja manter o vizinho dividido em dois – uma Península reunificada seria uma perigosa ameaça futura. Mas, ao mesmo tempo, não é do interesse dos chineses ter uma Coreia nuclear.

Não obstante ser possível compreender a racionalidade dos principais Estados envolvidos, todos eles enfrentam dilemas estratégicos. A Coreia do Norte pode mesmo tornar-se uma potência nuclear, mas nunca poderá usar esse novo poder pois seria reduzida a pó e desapareceria do mapa devido à inevitável retaliação maciça norte-americana. Os Estados Unidos têm de escolher entre aceitar um novo membro do grupo nuclear – o que é inaceitável – ou intervir militarmente de alguma forma no país – o que é impossível. Ou então, como veremos, optar uma estratégia com mais nuances mas que não resolverá o problema em definitivo e será sempre a obtenção de um mal menor. A China pode ver o seu pesadelo de um Japão (e, eventualmente, uma Coreia do Sul) nuclear tornar-se realidade, ao mesmo tempo que assistirá a um reforço significativo da presença militar da América na sua região.

Quais são então os cenários possíveis e os mais prováveis?

O primeiro cenário – o mais desejável – é o diplomático. Este pode passar por um regresso à fórmula das “conversações a seis” (EUA, China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Japão e Rússia), ou então por negociações entre os norte-americanos e os chineses. O diálogo entre Washington e Pyongyang não parece possível por ora, mesmo que não possa ser descartado a prazo.

O segundo cenário é o de um endurecimento radical das sanções à Coreia do Norte, podendo tal chegar a um quase bloqueio do país. Contudo, para que isso possa acontecer é decisivo que a China aceite. Sem os chineses nada feito. Com eles quase tudo pode ser conseguido, pois os norte-coreanos não têm outro aliado relevante no mundo e são quase totalmente dependentes de Pequim.

O terceiro cenário passa pela colocação de um sistema de defesa antí-míssil balístico na Coreia do Sul capaz de travar um ataque norte-coreano, o que de resto já estava a ser feito pelos EUA e só foi suspenso a pedido de Seul, para não irritar os chineses.

O quarto cenário está a ser estudado faz tempo em Washington e consiste na possibilidade de serem colocadas armas nucleares norte-americanas na Coreia do Sul e no Japão, de modo a equilibrar o poder nuclear da Coreia do Norte.

O último cenário – o militar – é o de bombardeamentos cirúrgicos americanos às centrais nucleares norte-coreanas.

De acordo com a teoria do actor racional, o que devia acontecer era o seguinte: um endurecimento das várias posições – e logo uma escalada da tensão por uns tempos – até que os actores envolvidos atinjam a posição de força desejada para negociar com o máximo de vantagem possível. Nesse momento, voltam à opção diplomática e tentam negociar uma fórmula de mal menor para todos. Mas, como dizia um autor, Robert Jervis, o problema desta teoria quando estamos a lidar com armas nucleares é que basta ela falhar uma vez para morrermos todos. Afinal de contas, os hospícios estão cheios de indivíduos que dizem ser o Napoleão.

Professor na Universidade Nova e investigador no IPRI

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