Carta aberta ao senhor ministro da Saúde

As populações dos concelhos do Seixal e Sesimbra necessitam de um hospital com Serviço de Urgência permanente.

Excelência,

No desempenho de elevados e difíceis cargos tem o senhor ministro e meu colega de profissão verificado que, aquando da implantação de um novo projeto, são mais as vozes discordantes a manifestarem-se que aplausos ouvidos.

Permita-me dizer-lhe que considero inadiável a construção do novo Hospital do Seixal, tese alicerçada por muitos estudos técnicos, contrariando a opinião sustentada no jornal PÚBLICO do dia 05/09/2017 pelo nosso colega Dr. Rui Freitas, profissional que muito respeito pelo seu percurso técnico, científico, social e cultural.

Embora o Serviço Nacional de Saúde (SNS) seja a instituição portuguesa melhor cotada no estrangeiro, uma larga franja dos seus utentes mostra constante desagrado quando recorre aos seus serviços, facto amplificado pela comunicação social.

No meu livro Ser Médico, na pág. 263 escrevi: “O nosso utente, que nada sabe de medicina, de genética, de gestão, de economia, de estatística e particularmente de metodologia de aferição da qualidade dos cuidados de saúde prestados, conhece todavia por experiência o valor negativo para a sua vida pessoal e familiar de uma abordagem inadequada ou inexistente de uma síndrome gripal, de uma hérnia inguinal, das cataratas, da obstipação, da insónia e de tantas outras minudências científicas. São esses problemas que não encontram habitualmente resposta atempada no nosso SNS, ditos de gravidade minor, que afligem os portugueses no seu dia-a-dia e destroem a sua segurança familiar, influenciando negativamente a economia do país e a coesão social. Não há um Estado saudável com cidadãos doentes, mesmo de enfermidades menores.”

Julgo, pois, que esse paradoxo classificativo deriva do facto de o nosso SNS responder apenas de forma adequada aos grandes desafios técnico-científicos apresentados. Esta situação vai perpetuar-se enquanto o SNS for centrado no hospital e as propostas partirem da realidade hospitalar, tal como faz o Dr. Rui Freitas com estatísticas fidedignas, mas de interesse sectorial.

Esclareço que o meu problema não são os números e ainda menos as estatísticas, mas as pessoas com as patologias reais que merecem soluções atempadas e adequadas, mas que nem sempre as encontram.

As populações dos concelhos de Seixal e Sesimbra necessitam pois de um hospital com Serviço de Urgência permanente, articulado com os centros de saúde da região, funcionando em rede com polos de ação centrípeta e centrífuga. Hospital que congregasse os profissionais de saúde dos dois concelhos, com contactos presenciais, escalas e tarefas comuns. A construção de mais centros de saúde não resolverá cabalmente esta problemática, solução que me parece também não seria menos onerosa.

Tal projeto permitiria retirar os médicos de família do seu “ isolamento” técnico, científico e administrativo, criando massa crítica, hierarquia técnica e apoios ao ensino continuado e à investigação clínica cooperativa.

Julgo que assim se resolveriam as tais minudências clínicas, retirando ao Hospital Garcia de Orta grande parte da sua sobrecarga, particularmente da Urgência. É óbvio que a administração do Hospital do Seixal deverá estar dependente de um conselho de administração do Hospital Garcia de Orta e com ele colaborar integralmente.

Estou de acordo que as reformas do sistema de Saúde implicam abordagens sistémicas e sistemáticas, que tenham simultaneamente em conta o grande e diversificado número de elementos em jogo, alguns conflituantes. Todavia, é imperativo que se apoiem estratégias que paulatinamente façam que o SNS deixe de se centrar no hospital e que se resolva finalmente a problemática das suas Urgências. Ficará na história a personalidade que o conseguir.

Aceite, senhor ministro, com amizade e consideração, os meus melhores cumprimentos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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